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Angelina Rossi
"Alguns chamam de desgraça. Eu chamo de oportunidade."
Levantei-me da minha cama com a consciência tranquila de que aquela era a penúltima noite da minha vida como mulher solteira. A última em que repousaria entre os meus próprios lençóis, no silêncio do meu quarto, antes de ser levada à mansão inimiga onde cada detalhe, até a cama em que eu dormiria, não passaria de uma lembrança de tudo que abandonaria.
Aquele era o quarto onde cresci. As paredes cobertas de retratos intocáveis. O criado-mudo onde minha mãe costumava deixar flores. A janela voltada para os jardins de inverno. Tudo exatamente igual. Exceto eu.
O silêncio da casa parecia mais pesado do que o habitual. Como se um funeral estivesse prestes a acontecer, em breve eu estaria nas mãos de um Romano, isto para os Rossi era a morte. Estaria nos braços do homem que impediu o meu casamento com um assassinato.
O noivo com quem meu pai havia me prometido jazia agora em um caixão fechado. Vítima de um tiro certeiro em uma execução pública. Uma resposta que a Cosa Nostra entenderia perfeitamente. Um ato que os Rossi deveriam respeitar e acatar, cessar a Faida, cessar a briga entre as famílias era mais importante para a máfia. Tudo aconteceria como deveria acontecer.
Fechei os olhos por um segundo. Respirei fundo e sorri, afinal estava viva, e solteira. E, pela primeira vez, livre daquele idiota arrogante que achava que me possuiria como um bibelô herdado.
Um sorriso quase imperceptível formou-se no canto da minha boca. Não de alívio ou de satisfação, mas por estar tudo acontecendo como deveria, eles achavam que haviam me punido. Mas haviam feito exatamente o que eu queria.
Tonny Romano, o homem que a minha família mais odiava. O nome que era sussurrado como ameaça por trás das paredes do escritório de meu pai, Mario Rossi. A presença que desestabilizava salas, alianças e corações, se tornaria o meu marido, mas a Faida estava longe de acabar.
Peguei o batom vermelho e delicadamente o passei em meus lábios contendo o sorriso. Romano pensava que havia me reivindicado. Mas, no fundo, ele não fazia ideia de que:
Eu o havia escolhido primeiro.
A porta do quarto se abriu com certa força, quebrando o fio do meu pensamento. Minha irmã entrou bufando, os cabelos loiros soltos, o rosto tenso, os olhos faiscando de fúria e confusão.
- Você está se maquiando?! - Ela parou, encarando minha imagem refletida no espelho. - Não acredito que depois do que aconteceu, depois daquele massacre, você está aqui se preparando como se fosse um dia qualquer!
- Não é um dia qualquer. - Respondi, enquanto delineava os olhos. - É o último.
- O último?
- O último dia em que sou uma Rossi com algum controle. - Virei para ela. - Amanhã, oficialmente, serei uma Romano.
Ela se aproximou devagar, como se me observar mais de perto fosse ajudá-la a entender. Mas não conseguiria. Ela não tinha ideia do que se passava na minha mente e eu não queria envolver Chiara no meu lado sombrio, ela era luz, sempre fora.
- Ainda não entendi por que você aceitou tão complacente. Você, logo você, ser entregue como um troféu para o clã que destruiu metade da nossa linhagem. Para o homem que matou o seu noivo, não que ele fosse grande coisa, mas...
- Ele era um idiota. - Cortei com um sorriso frio. - E você sabe disso.
- Ainda assim, Angelina... - ela se sentou na beira da cama, os ombros caídos, exausta. - Justamente um Romano? Por que tinha que ser assim?
Fechei o estojo da maquiagem e me levantei.
- Porque você não podia ser você, Chiara. - Respondi, firme, olhando direto em seus olhos. - As regras da máfia não são apenas tradições, são sentenças. Quando uma Faida é encerrada, o sangue da família que atacou por último precisa ser entregue. No nosso caso, o meu.
Ela empalideceu.
- Os Romano exigiram sangue puro e virgem. E você, você está apaixonada por Vincenzo. Eu sei o que vivem. E se eu recusasse, se fugisse, se hesitasse, você seria a próxima. O papai não teria escolha. O Romano iria reivindicar você.
Chiara começou a negar, mas levantei a mão.
- Não me interrompa. Você acha que eu aceitei isso por covardia? Eu aceitei porque não suportaria ver você nesse lugar. Porque, mesmo que eu odeie cada segundo ao lado daquele homem, nunca me perdoaria se fosse você no meu lugar.
Me aproximei dela e completei, mais baixa:
- Você tem uma chance de amar, Chiara. Não estrague isso, fique longe da malavita. Serei uma moeda de troca, mas faço questão de te manter longe deste jogo sujo.
Ela piscou, confusa por um segundo, até que a ficha caiu. A raiva deu lugar ao choque. Depois, ao medo.
- Aquele... filho da puta. - Sussurrou, baixando os olhos. - Ele pode te machucar, te matar...
- Ele poderia, mas os planos dele são outros tenho certeza. Tonny Romano não ameaça. Ele cumpre. - Toquei o ombro dela. - Fique tranquila. E entre mim e você, bem, eu sou mais preparada para suportar um monstro.
Ela levantou e me abraçou com força.
- Eu odeio isso. Odeio tudo isso...
- Eu sei. - Murmurei, apertando-a de volta. - Mas nem toda desgraça termina em ruína, Chiara. Pelo menos, não a minha.
Ela se afastou e me olhou com algo entre orgulho e desconcerto.
- Às vezes eu tenho medo da forma fria como você encara as coisas.
- E eu tenho medo da forma como você romantiza demais as suas. - Sorri. - Somos duas extremas tentando sobreviver no mesmo inferno.
- Você vai mesmo se casar amanhã?
- Sim. - Voltei ao espelho. - Mas não vou dormir virgem esta noite.
Ela arregalou os olhos.
- Como é?
- Exatamente o que ouviu. - Deslizei as mãos por minhas coxas aplicando o hidratante - Hoje é meu último dia de liberdade. E amanhã, quando ele me tiver, não vai ser o primeiro.
Chiara engoliu em seco, confusa entre gritar, bater ou simplesmente fugir dali.
- Isso é insano, Angelina. - Murmurou, a voz embargada. - Concordo que tudo isso é. arcaico, mesmo para os padrões da máfia.
Ela sabia. Sabia exatamente o que Tonny Romano queria: minha virgindade. Queria ser o primeiro. O único. Queria reivindicar posse sobre uma Rossi, marcando seu território não com alianças, mas com sangue.
- E é justamente por isso que eu não vou entregar o que ele quer. - Respondi, pegando o vestido e jogando-o sobre a cama sem delicadeza. - Porque para ele, o sangue é símbolo. É marca. É ritual de domínio. Mas ele não vai ter esse gosto. Pelo menos, não da forma que imagina.
Chiara me olhou com incredulidade.
- E você vai dar a quem, então?
- Ao primeiro que me excitar. Ao primeiro que me olhar como mulher, não como moeda de troca. - Respondi firme, sustentando seu olhar. - Hoje à noite, Chiara, eu escolho. Porque amanhã, terei que obedecer às regras, ou serei facilmente descartada com o aval da máfia.
Ela hesitou, com os olhos brilhando de preocupação.
- Espero que você saiba o que está fazendo, Angelina.
- Sei exatamente o que estou fazendo. - Disse com um sorriso calmo, entregando a ela o batom e ajeitando os ombros do vestido.
Era um risco, sim. Um daqueles que podiam custar caro, mas eu já havia pagado demais para viver com medo.
Naquela noite, pela primeira vez, o corpo era meu e a decisão também.
O controle estava nas minhas mãos, e eu não cederia nada. Nem o sangue. Nem o símbolo.
Naquela noite, eu tinha algo que ninguém podia me tirar: liberdade. E a escolha era só minha.