Capítulo 4 Prontos para a batalha

"Me prometeram como o fim de uma batalha. Mas eu era apenas o recomeço."

As portas da igreja se abriram com a solenidade de um tribunal, como se o destino estivesse pronto para executar sua sentença final.

A luz dourada dos vitrais tingia a nave central com tons sagrados demais para o que estava prestes a acontecer. O véu cobria meu rosto, mas não escondia meus olhos por detrás da renda, e neles, nada de emoção, só a fúria que queimava em silêncio. Cada passo dado sobre aquele tapete vermelho era um aviso à minha própria alma: você não pertence a este altar, mas vai tomar posse dele.

Entre as fileiras de convidados, aliados, inimigos e traidores disfarçados de testemunhas, os olhares seguiam meu corpo coberto pelo vestido branco, como se pudessem enxergar o que já não era mais puro.

Minha mão repousava no braço de Mario Rossi, o meu pai, mas que agora não passava de um mercador entregando sua mercadoria. A voz dele, embargada por um suposto pesar, quase me fez rir.

- Prometi uma filha Rossi e aqui está ela.

Não respondi. Mantive o queixo erguido, os ombros firmes, o olhar adiante. Porque naquele altar estava ele.

Tonny Romano.

De terno negro sob medida, sem flor na lapela, sem qualquer simbolismo de amor ou celebração. Apenas a elegância brutal de um predador vestido para o ritual.

As mãos tatuadas repousavam em uma pose segura, as mesmas que haviam me tocado com fúria e precisão na noite anterior.

O mesmo corpo que me dominou na penumbra da boate agora me esperava sob o crucifixo de um Deus que, naquele momento, se mantinha em silêncio.

Quando cheguei diante dele, não houve um toque. Nenhum gesto de ternura. Ele apenas ergueu o véu com a lentidão de quem desarma um inimigo. E quando nossos olhos se encontraram, algo entre raiva e gozo percorreu minha espinha.

Ele sorriu devagar, Imorale Íntimo demais para o lugar. Um sorriso que dizia: "eu sei o que fizemos e você também."

Aproximou-se. Senti o calor da sua respiração contra minha orelha, e a voz grave dele escorreu pela minha pele como veneno quente:

- A lua de mel foi antecipada, esposa. Mas a partir desta noite, eu vou reivindicar o que é meu. Todas.As. Noites. - falou pausadamente entre uma palavra e outra dando ênfase.

Engoli em seco. O vestido me sufocava. Os mamilos endurecidos por sob o cetim me traíam. Odiava cada centímetro da resposta que meu corpo dava àquele homem. Odiava ele, mas desejava como se o pecado fosse meu único refúgio.

Ele se afastou com a mesma calma com que me devorava por dentro.

- Está radiante. Quase parece feliz em se tornar oficialmente uma Romano.

Seu tom era alto o bastante para os presentes ouvirem, mas baixo o suficiente para que soasse como um sussurro obsceno. Resisti ao impulso de cravar as unhas na pele dele ou na minha própria carne, para acordar daquele teatro.

O sacerdote iniciou a cerimônia. Palavras ditas sem fé. Promessas cuspidas com hipocrisia. E quando o anel tocou meu dedo, tudo o que senti foi o peso de uma prisão que eu mesma havia escolhido entrar, por minha irmã, por vingança, por orgulho, por algo mais escuro, mais primitivo.

Para ele a aliança já havia sido selada na noite anterior, com gemidos abafados por veludos, com o gosto do prazer misturado ao da vergonha. Com o sangue de minha entrega tingindo o símbolo do que agora era nosso pacto mais profano.

Quando fomos declarados marido e mulher, Tonny segurou minha cintura com uma firmeza que beirava a crueldade. Os aplausos soaram como ecos vazios. Eu estava anestesiada. Até que ele voltou a falar:

- A guerra entre nossos nomes acabou - declarou em voz alta, sob a ovação de todos os presentes.

Seu olhar percorreu meus lábios antes de encontrar os meus olhos. Então, ele se aproximou e sussurrou, com um meio sorriso que só eu podia ver:

- Mas o nosso jogo, esposa... está apenas começando.

Eu não estava entrando em um casamento comum. Estava adentrando uma guerra íntima e ele ainda não fazia ideia de como seria me ter como esposa.

Nem do que eu estava disposta a fazer.

Tonny Romano

A fumaça do charuto dançava no ar com a mesma lentidão com que eu destruía meus inimigos. Traguei fundo, saboreando o gosto amadeirado misturado ao sabor do uísque de doze anos. O gelo tilintava no fundo do copo, mas minha cabeça fervia.

Dario estava parado à minha frente, braços cruzados, olhar inquieto como se pesasse cada palavra antes de lançá-la ao abismo entre nós.

- Com todo o respeito, chefe, ainda acho isso uma loucura. - Ele soltou, finalmente, como quem cospe um veneno. - Ela é uma maldita Rossi.

Meu maxilar travou. Traguei o charuto com mais força antes de responder, a voz firme e seca:

- Não. Ela agora é uma Romano.

Dario bufou e deu um passo à frente, o terno escuro se ajustando ao corpo tenso.

- Ela vai te trair na primeira oportunidade. A não ser que a mate antes disso...

A explosão veio sem aviso. O soco seco na mesa de madeira maciça ecoou pelo salão como um trovão abafado. A taça quase virou, o charuto caiu no cinzeiro, e os olhos de Dario se arregalaram por um segundo.

- Ela é minha esposa. - Rosnei, cada sílaba arrancada de um lugar que nem eu sabia nomear. - Minha, Dario, e ninguém toca no que é meu. Nem com palavras.

Ele ergueu as mãos devagar, como quem se rende, mas o respeito em seu olhar nunca deixou de existir.

- Perdão, chefe. Só estou preocupado. Afinal, ainda não sabemos o que houve com seu pai...e....

Bastou ele citar o acidente para o meu sangue pulsar com mais violência. Meu pai, o Don. Um rei agora calado, respirando por aparelhos, derrotado não por armas, mas por uma traição. Uma emboscada. Um golpe pelas costas, comandado pelos Rossi.

Fechei os olhos por um segundo, respirando fundo.

- Eu sei muito bem o que os Rossi são capazes de fazer. - murmurei com veneno na voz. - Não me casei com ela por honra. Nem por paz. Me casei por vingança. Para o pai dela, não existe punição maior do que ver sua filha, sua filha virgem,marcada por um Romano. E mais do que isso: reivindicada. Todos os dias e todos as noites.

Dario meneou a cabeça, mas não recuou.

- A garota é problema. Você sabe disso. E, chefe, ela não parece ter medo de você.

Dario me conhecia bem. Sabia do que eu era capaz e por isso se preocupava. Sorri, já prevendo o estrago. Eu estava ciente dos riscos. Mas naquele momento, não importava, eu estava prestes a tomar o que era meu. Território ou carne.

- Medo não é o que quero dela. - Sussurrei, encarando a fumaça do charuto como se visse o rosto de Angelina ali, entre redemoinhos.

Ela era mais do que problema. Angelina era veneno com gosto de vinho caro e eu já tinha tomado goles demais.

Angelina Rossi não era uma mulher qualquer. Tinha uma beleza que não pedia licença, que invadia o ambiente e deixava destruição por onde passava. Cabelos dourados como pecado disfarçado de luz, olhos que escondiam farpas e mistérios presos em um azul celeste, uma boca feita para guerra e entrega.

Mas não era apenas o corpo que me intrigava. Ela foi criada para isso, para ser esposa troféu, a Rainha. A mulher perfeita ao lado de um mafioso. Mas, por baixo daquele verniz de educação refinada e silêncios estudados, havia uma mente afiada. Um espírito indomado.

Angelina não aceitava correntes e eu não oferecia outra coisa.

- Ela foi treinada para ser a esposa do chefe dos chefes. - Murmurei, mais para mim do que para ele. - Mas agora, ela vai ter que aprender o que é ser esposa de um Romano.

Dario apenas me observava. Cauteloso e calado.

- Ela é perigosa - disse ele, quase como um alerta final.

Dei uma última tragada no charuto e o apaguei no cinzeiro com calma cruel.

- E eu sou letal. - Respondi. - Ela ainda não entendeu, mas vai aprender, na cama, no silêncio, no meu poder.

Me levantei, ajeitando o paletó enquanto encarava o retrato do meu pai na parede. Seus olhos me observavam com a mesma frieza que me ensinou a carregar.

- Esse jogo é meu, Dario. E a Rainha? A Rainha não tem outra escolha, senão aprender a amar as minhas regras, cada uma delas!

            
            

COPYRIGHT(©) 2022