Quando o meu chefe me ligou, eu estava no meio do funeral da minha mãe.
A chuva caía sem parar lá fora, batendo contra as janelas da capela, um som monótono e deprimente.
Eu tinha acabado de perder o emprego.
"Lia, eu sei que este é um momento difícil," disse ele, a sua voz sem qualquer simpatia, "mas a empresa não pode esperar. Precisamos de alguém que esteja totalmente focado, e tu, obviamente, não estás."
Eu não respondi, apenas segurei o telemóvel com força, olhando para o caixão de madeira simples à minha frente.
A minha mãe estava lá dentro, quieta e fria.
E eu estava sozinha.
Foi nesse momento que decidi vender a casa. A casa que ela me deixou, a única coisa de valor que tínhamos.
O meu telemóvel tocou novamente. Era o Pedro, o meu namorado. Ou melhor, ex-namorado.
A voz dele soou distante e irritada quando atendi.
"Lia, para de me ligar. Eu já te disse que acabou."
"Eu não te liguei," respondi, a minha voz rouca.
"Não mintas. Recebi cinco chamadas perdidas tuas. A sério, tens de seguir em frente. Eu estou com a Eva agora, ela precisa de mim."
"A tua mãe acabou de falecer, eu entendo que estejas triste," a voz suave da Eva surgiu ao fundo, "mas o Pedro não te pode ajudar. Ele está a construir uma nova vida comigo."
Eva. A minha prima. A filha da irmã da minha mãe. A menina doce e frágil que a minha mãe sempre me pedia para cuidar.
Sorri, mas não havia humor no meu sorriso.
"Pedro," eu disse, a minha voz surpreendentemente calma, "eu só quero que saibas de uma coisa."
Ele ficou em silêncio, provavelmente à espera de mais um apelo desesperado.
"A casa da minha mãe. Eu vou vendê-la."
Houve uma pausa do outro lado da linha, mais longa desta vez. Depois, a fúria dele explodiu.
"O quê? Tu não podes fazer isso! Essa casa também pertence à minha família! A tua mãe prometeu à minha mãe que a Eva podia ficar lá sempre que precisasse!"
"A minha mãe está morta," eu disse simplesmente. "As promessas dela morreram com ela."
"Tu és inacreditável, Lia! Tão egoísta! A Eva não tem para onde ir! Tu sabes como a vida dela é difícil, a mãe dela maltrata-a!"
A vida dela é difícil? E a minha? A minha mãe acabou de morrer, perdi o meu emprego, e o homem que eu amava deixou-me pela minha prima. Mas claro, a vida da Eva é que é a tragédia.
"Isso já não é problema meu," eu disse, e a minha voz não tremeu.
"Tu vais arrepender-te disto! Achas que alguém vai querer uma pessoa fria e sem coração como tu? Vais acabar sozinha, tal como a tua mãe!"
Ele desligou na minha cara.
O telemóvel caiu da minha mão, mas não fez barulho no tapete grosso da capela.
Olhei para o caixão. Sozinha, como a minha mãe. Talvez ele tivesse razão. A minha mãe dedicou a vida inteira a cuidar da irmã e da sobrinha, e no final, morreu sozinha num hospital frio.
Mas eu não ia ser como ela. Eu não ia sacrificar a minha felicidade pelos outros.
A casa era a minha única saída. O meu recomeço.
E eu não ia deixar que ninguém mo tirasse. Nem o Pedro, nem a Eva.