O dinheiro apareceu na minha conta na manhã seguinte, tal como ele prometeu.
A quantia era tão grande que eu olhei para o extrato bancário várias vezes, a pensar que era um erro.
Não era.
Pela primeira vez em muito tempo, eu conseguia respirar.
Passei o dia a tratar da papelada com o agente imobiliário, que não conseguia esconder o seu espanto.
"Nunca vi um negócio fechar-se tão rápido," ele murmurou, enquanto eu assinava os documentos. "Este Miguel Costa deve mesmo querer a casa."
Eu também achava, mas não sabia porquê.
À noite, preparei-me para o jantar. Escolhi um vestido preto simples, o único que tinha que era adequado para um restaurante chique.
Senti-me um peixe fora de água quando o táxi parou em frente a um edifício elegante no centro da cidade.
Miguel estava à minha espera no bar. Ele levantou-se quando me viu, e por um momento, todos os olhares no restaurante pareceram virar-se para nós.
"Estás linda," disse ele, e a sua sinceridade desarmou-me.
"Obrigada," murmurei, sentindo as minhas bochechas a aquecer.
O jantar foi... estranho. Miguel era um conversador nato. Falou sobre viagens, sobre arte, sobre negócios. Mas nunca falou sobre si mesmo.
E ele nunca mencionou a minha mãe outra vez.
"Então, o que vais fazer agora?" perguntou ele, enquanto comíamos a sobremesa.
"Vou procurar um apartamento mais pequeno," respondi. "E um novo emprego."
"Que tipo de emprego?"
"Eu era assistente administrativa. Provavelmente algo nessa área."
Ele assentiu lentamente, a sua expressão indecifrável. "E se eu te oferecesse um emprego?"
Engasguei-me com o meu café. "Um emprego? A fazer o quê?"
"A minha assistente pessoal. O salário é bom, o trabalho é exigente, mas interessante. Precisas de estar disponível para viajar."
A oferta era tentadora. Demasiado tentadora.
"Porque é que me está a oferecer um emprego? Mal me conhece."
"Eu conheço o suficiente," disse ele. "Sei que és resiliente. E sei que precisas de um recomeço. Considera isto parte do favor que devia à tua mãe."
A menção à minha mãe novamente. Era como se ela fosse um fantasma entre nós.
"Eu não quero caridade, Miguel."
"Não é caridade," ele disse, a sua voz firme. "É uma oportunidade. Cabe-te a ti aproveitá-la ou não."
Antes que eu pudesse responder, o meu telemóvel vibrou na minha mala. Era um número que eu conhecia demasiado bem.
A minha tia, a mãe da Eva.
Ignorei a chamada. Mas ela ligou outra vez. E outra.
Miguel olhou para o meu telemóvel e depois para mim. "Um problema?"
"Não é nada," menti.
Mas a minha tia não desistiu. Começou a enviar mensagens.
"LIA, ATENDE O TELEFONE! A TUA PRIMA ESTÁ NO HOSPITAL!"
"É TUA CULPA! ELA TENTOU SUICIDAR-SE PORQUE A EXPULSASTE DE CASA!"
"ÉS UM MONSTRO! IGUAL AO TEU PAI!"
As palavras saltaram do ecrã e atingiram-me com força. As minhas mãos começaram a tremer.
Miguel estendeu a mão por cima da mesa e pegou no meu telemóvel. Ele leu as mensagens, a sua expressão a endurecer.
"Vamos," disse ele, levantando-se e deixando algumas notas na mesa. "Eu levo-te."
"Levar-me onde?"
"Ao hospital," disse ele, o seu tom não admitindo discussão. "Vamos ver que tipo de jogo a tua família está a jogar."