O hospital cheirava a desinfetante e a desespero.
Encontrámos a minha tia e o Pedro na sala de espera do serviço de urgências.
Quando a minha tia me viu, o seu rosto contorceu-se de raiva.
"Sua desgraçada!" ela gritou, correndo na minha direção com a mão levantada. "Olha o que fizeste!"
Antes que a mão dela me pudesse atingir, Miguel moveu-se. Ele parou entre nós, a sua presença imponente a fazer a minha tia recuar.
"Aconselho-a a não fazer isso," disse ele, a sua voz perigosamente calma.
A minha tia olhou para ele, intimidada mas ainda furiosa. "E quem é você?"
"Sou o advogado da Lia," mentiu Miguel suavemente. "E qualquer agressão à minha cliente terá consequências."
A palavra "advogado" fez a minha tia hesitar.
Pedro, que tinha estado a observar em silêncio, aproximou-se. O seu olhar estava fixo em Miguel, cheio de ciúme e ressentimento.
"Lia, a Eva está aqui por tua causa," disse ele, tentando soar autoritário. "Ela tomou uns comprimidos. O médico disse que se tivéssemos chegado uns minutos mais tarde..."
Ele não terminou a frase, deixando a acusação pairar no ar.
"Onde é que ela arranjou os comprimidos?" perguntou Miguel, a sua voz cortante.
Pedro ficou surpreendido com a pergunta. "Isso não importa! O que importa é que ela o fez porque tu a deixaste sem casa!"
"Eu não a deixei sem casa," respondi, a minha voz a ganhar força. "Eu vendi a minha casa. A casa que a minha mãe me deixou. Eu não tenho qualquer obrigação para com a Eva."
"Não tens obrigação?" a minha tia guinchou. "A tua mãe prometeu! Ela prometeu que cuidaria sempre da Eva!"
"A minha mãe está morta!" gritei, a minha calma a desaparecer. "Ela não pode mais cumprir promessas! E eu não vou viver a minha vida a pagar as dívidas emocionais dela!"
Uma enfermeira saiu de uma porta e chamou: "Família da Eva Martins?"
Corremos todos na sua direção.
"Ela está estável," disse a enfermeira, com um ar cansado. "Fizemos uma lavagem ao estômago. Ela teve sorte. A dose que tomou não era letal. Parecia mais um pedido de atenção do que uma tentativa séria."
As palavras da enfermeira pairaram no ar. Um pedido de atenção.
Olhei para a minha tia e para o Pedro. As suas expressões de choque e culpa eram evidentes.
"Ela só queria assustar-nos," murmurou Pedro, parecendo um idiota.
Miguel deu um passo em frente. "Enfermeira, pode dizer-nos que tipo de comprimidos ela tomou?"
A enfermeira verificou a sua prancheta. "Analgésicos comuns. E alguns suplementos de vitaminas."
Vitaminas.
A farsa era tão óbvia que era quase cómica.
"Então," disse Miguel, virando-se para a minha tia e para o Pedro com um sorriso gelado. "A vossa grande tragédia foi encenada com paracetamol e vitaminas. Devo dizer que estou desapontado com a falta de criatividade."
A minha tia ficou vermelha de vergonha.
Pedro olhou para mim, a sua expressão uma mistura de raiva e humilhação.
"Isto não acaba aqui, Lia," ele sibilou.
"Oh, eu acho que acaba," disse Miguel, a sua voz a baixar para um tom ameaçador. "A Lia vendeu a casa. O dinheiro é dela. Se vocês os dois voltarem a incomodá-la, ou tentarem qualquer outro truque estúpido como este, não será apenas o meu cartão de visita que receberão. Será uma ordem de restrição e um processo por assédio. Fui claro?"
Eles não responderam. Apenas olharam para ele, derrotados.
Miguel colocou uma mão nas minhas costas. "Vamos embora, Lia. Não tens mais nada a fazer aqui."
Enquanto nos afastávamos, ouvi a minha tia a sussurrar ao Pedro: "Quem é aquele homem?"
Eu também queria saber.