Ficar no apartamento da Sofia foi ao mesmo tempo um alívio e um tormento. Alívio por estar longe da toxicidade da família do Léo, e tormento por cada segundo que passava longe da Ana.
"Eles não podem fazer isto, Clara," disse a Sofia, furiosa, enquanto me entregava uma chávena de chá. "É sequestro parental."
"O meu advogado disse que, como ainda estamos casados e não há uma ordem de custódia, a situação é complicada. Eles podem argumentar que estão a agir no melhor interesse da criança."
"No melhor interesse da criança? Eles estão a proteger a mulher que quase a matou!"
O meu advogado, Dr. Almeida, era calmo e metódico. Ele aconselhou-me a não fazer nada precipitado.
"Precisamos de construir um caso sólido, Sra. Matos. Documente tudo. Todas as chamadas, todas as mensagens, todas as tentativas de ver a sua filha que forem negadas."
E foi isso que eu fiz. Liguei todos os dias para falar com a Ana. Às vezes, o Léo atendia e deixava-me falar com ela por alguns minutos. As conversas eram curtas e tensas, com a voz da Dona Elvira ao fundo, a dizer à Ana que era hora de desligar.
Outras vezes, ninguém atendia.
Tentei ir à casa deles duas vezes. Na primeira vez, o Léo disse que a Ana estava a dormir a sesta. Na segunda, a Dona Elvira disse que eles tinham saído. Eram desculpas esfarrapadas, e nós ambos sabíamos disso.
Entretanto, as notícias sobre a Inês começaram a surgir. Ela tinha sido libertada sob fiança. Uma fiança surpreendentemente baixa.
"Como é que isto é possível?" perguntei ao Dr. Almeida ao telefone.
"A família dela é influente. E parece que o seu marido pode ter ajudado."
"O Léo?"
"Alguém pagou a fiança, Sra. Matos. E o advogado dela está a argumentar que foi um 'incidente isolado' causado por 'sofrimento emocional extremo'. Estão a tentar reduzir a acusação de condução perigosa para algo menor."
A raiva queimou-me por dentro. Ele não estava apenas a proteger a sua ex-namorada, estava a trabalhar ativamente para garantir que ela não enfrentasse as consequências.
"O que podemos fazer?"
"A sua queixa como vítima é crucial. Não a retire, aconteça o que acontecer. E precisamos de acelerar o processo de divórcio e de custódia. Precisamos de provar ao tribunal que o ambiente na casa do seu marido não é seguro para a sua filha."
O meu foco tornou-se cristalino. Já não se tratava apenas do meu coração partido. Tratava-se da segurança da minha filha.
Naquela noite, recebi uma mensagem de um número desconhecido.
"Se retirares a queixa, o Léo deixa-te ver a Ana."
Não havia assinatura, mas eu sabia exatamente quem a tinha enviado.
Inês.
Ela estava a usar a minha filha como moeda de troca. E o Léo era cúmplice.