Eu amei Sofia, ou pelo menos, pensei que amava. Cuidei dela, atendi a todos os seus caprichos e criei nosso filho, Marcelo, com todo o carinho do mundo.
Naquela noite, a mansão estava cheia. Amigos, sócios, toda a alta sociedade de São Paulo estava lá para celebrar meu aniversário. Sofia, ao meu lado, parecia a esposa perfeita, sorrindo e recebendo os convidados. Mas quando o último convidado foi embora, o sorriso dela desapareceu.
"Ricardo, precisamos conversar."
A voz dela era fria.
Ela me entregou um envelope. Dentro, um teste de DNA.
"Marcelo não é seu filho."
Cada palavra era uma facada.
"Ele é filho do Thiago. Meu primo."
Thiago. Meu rival desde sempre. O homem que Sofia sempre pareceu preferir, mas que morreu em um acidente de carro anos atrás.
"Eu nunca te amei, Ricardo. Você foi útil. Você administrou a empresa, cuidou de mim, me deu uma vida confortável. Mas o meu coração sempre foi do Thiago. Agora que Marcelo é maior de idade e pode assumir os negócios, você não é mais necessário."
A família dela, o Sr. e a Sra. Almeida, que eu considerava como pais, ficaram em silêncio no canto da sala. A conivência deles era a traição final.
"Pegue suas coisas e saia. Esta casa, esta família, nunca foi sua."
Meu coração, que aguentou décadas de trabalho duro e estresse, não aguentou a dor. Senti uma pressão esmagadora no peito, o ar me faltou e a escuridão tomou conta. Eu morri ali, no chão frio da sala de estar, expulso e humilhado.
...
Abri os olhos.
A luz do sol entrava pela janela do meu antigo quarto na mansão Almeida. Eu estava jovem. Minhas mãos não tinham as manchas e rugas da idade. Meu corpo não doía.
Olhei no espelho. Era eu, com vinte e poucos anos. O choque percorreu meu corpo como eletricidade.
Eu conhecia aquele dia. Era o dia em que a família Almeida realizaria um jantar formal para que Sofia anunciasse sua escolha de noivo. Entre mim, o "filho adotivo" talentoso, e Thiago, o primo de sangue nobre, mas irresponsável.
Na minha vida passada, ela me escolheu. Porque eu era o mais capaz, o mais útil para os negócios da família.
Um barulho na porta me tirou dos meus pensamentos. A empregada entrou.
"Sr. Ricardo, o Sr. Almeida está te esperando no escritório."
Respirei fundo. O ar da segunda chance encheu meus pulmões. Desta vez, as coisas seriam diferentes. Eu não seria mais o peão deles.
Desci as escadas. A mansão era exatamente como eu me lembrava daquela época. Luxuosa, imponente, mas fria. Uma gaiola de ouro.
Sr. Almeida estava sentado atrás de sua mesa de mogno. Thiago estava em pé ao lado dele, com um sorriso arrogante no rosto. E então, Sofia entrou.
Ela estava linda, como sempre. Usava um vestido azul claro que realçava seus olhos. Mas quando nossos olhares se cruzaram, eu vi algo diferente. Não era a indiferença calculista que ela tinha na vida passada. Havia um lampejo de... reconhecimento. Um choque que ela tentou esconder rapidamente.
Meu sangue gelou.
Ela também renasceu.
A compreensão me atingiu com a força de um soco. Ela sabia. Ela se lembrava de tudo. Da traição, da minha morte, de tudo.
Sr. Almeida limpou a garganta, alheio à tensão silenciosa entre nós.
"Sofia, minha filha. Você sabe por que estamos aqui. Ricardo e Thiago são ambos excelentes jovens. A decisão final é sua. Quem você escolhe para ser seu noivo e futuro líder da Almeida Construções?"
Na vida passada, ela hesitou por um momento e depois disse meu nome.
Thiago me olhou com desdém, confiante de que o sangue falaria mais alto. Sofia olhou para mim, e em seus olhos eu vi uma súplica estranha, uma confusão. Talvez ela quisesse consertar as coisas? Tarde demais. Quarenta anos de servidão e uma morte dolorosa não podiam ser apagados.
Antes que ela pudesse falar, eu dei um passo à frente. Minha voz saiu calma, firme, cortando o silêncio do escritório.
"Sr. Almeida, eu agradeço a consideração e tudo o que a família fez por mim."
Fiz uma pausa, olhando diretamente para Sofia.
"Mas eu retiro minha candidatura. Eu não vou me casar com a Sofia."
O queixo de todos caiu. Sr. Almeida me olhou como se eu tivesse enlouquecido. Thiago parecia confuso e depois, triunfante.
Sofia ficou pálida. O choque em seu rosto era genuíno. Ela abriu a boca para falar, mas nenhuma palavra saiu. Seus olhos se encheram de pânico.
"Eu desejo felicidades a Sofia e Thiago. Tenho certeza de que eles serão muito felizes juntos."
Eu me virei, sem esperar por uma resposta.
Enquanto eu caminhava para a porta, ouvi um som de cadeira sendo arrastada. Sofia se levantou abruptamente, seu rosto uma máscara de descrença e fúria.
"Ricardo!"
Eu não parei. Abri a porta e saí, fechando-a atrás de mim.
O som dos gritos dela, abafados pela madeira maciça, era música para os meus ouvidos. Não era vingança. Era libertação.
Sofia correu para fora do escritório logo depois, passando por mim no corredor sem dizer uma palavra, seu rosto contorcido pela raiva. Ela desceu as escadas correndo e saiu da mansão, o som do motor de seu carro cantando pneus no asfalto ecoou pela casa.
O jogo tinha mudado. E desta vez, eu escreveria as regras.