"Eu não consigo olhar," ela sussurra, com a voz trêmula. "É aqui... foi aqui que ela tentou me amaldiçoar pela última vez."
Minha mãe, Helena, corre para o lado dela, lançando um olhar de puro ódio para o poço.
"Essa menina era envolvida com coisas sombrias, Zé. Feitiçaria, rituais... ela queria o mal da Sofia. O mal de todos nós."
Zé Coragem se aproxima do poço, examinando a pesada tampa de madeira que o sela.
"Interessante," ele murmura, mais para si mesmo do que para a câmera. Ele bate na madeira. "Está lacrado. Bem lacrado."
Ele se vira para meu pai, Ricardo.
"O senhor que lacrou isso, Seu Ricardo?"
Meu pai assente, o rosto sombrio. "Sim. Logo depois... do incidente. Para que ninguém mais caísse aí. Para selar a maldade dela."
Na tela da transmissão, os comentários explodem novamente.
"Ué, se ela se matou, como o poço foi lacrado por fora?"
"Boa pergunta. Isso tá estranho."
"A família deve ter lacrado depois, pra evitar acidentes, gente. Parem de criar teoria da conspiração."
"Mas e se ela não se matou? E se ela só fugiu e eles inventaram essa história?"
Zé Coragem parece ler os pensamentos da audiência. Ele coça o queixo, pensativo.
"Se ela se jogou... alguém teve que fechar a tampa depois. Ou," ele faz uma pausa dramática, "a história do suicídio tem algum furo."
Tiago dá um passo à frente, irritado. "Qual é a sua? Está duvidando da gente? Ela era uma manipuladora! Deve ter enganado alguém para ajudá-la a forjar a própria morte!"
Zé levanta as mãos em um gesto de paz. "Calma, meu amigo. Estou aqui para investigar todas as possibilidades. É isso que um caçador de mitos faz."
Ele volta sua atenção para o poço. "E para investigar direito, eu preciso ver o que tem lá dentro."
Ele se volta para sua equipe. "Tragam o pé de cabra."
Um dos assistentes entrega a ferramenta de metal para ele. O som do metal arranhando a madeira velha ecoa no silêncio da noite. O rangido é agonizante.
Sofia começa a chorar mais alto. "Não abra! Por favor, não abra! A alma dela está presa aí! Ela vai nos pegar!"
Zé Coragem a ignora. Ele se posiciona, fincando o pé de cabra na fresta entre a tampa e a pedra. Ele faz força. Uma vez. Duas. Os músculos de seus braços se contraem sob a luz da câmera.
Um cheiro estranho começa a emanar da fresta. Um cheiro de água parada, mofo e algo mais... algo doce e podre.
Eu reconheço o cheiro. É o cheiro do meu fim.
Com um último puxão, a tampa de madeira cede com um estalo alto, quebrando uma parte da borda.
Zé Coragem se afasta, ofegante. Ele aponta a lanterna para o buraco negro que se abriu no chão.
A escuridão lá dentro parece infinita.
"Ok, galera," ele diz para a câmera, recuperando o fôlego e o personagem. "Hora da verdade. Quem tem medo do escuro? Zé Coragem não tem."
Ele prende uma corda a uma árvore próxima e amarra a outra ponta em um cinto de segurança. Ele testa a firmeza.
"Vou descer," ele anuncia. "Vamos ver que segredos Luana deixou para trás."
Minha mãe aperta um crucifixo no peito. Meu pai recua um passo. Tiago olha, fascinado e apreensivo.
Sofia para de chorar. Por um breve segundo, quando ela pensa que ninguém está olhando, um brilho diferente passa por seus olhos. Não é medo. É expectativa.