Ele começa a se movimentar, o som da água sendo remexida sobe pelo poço.
"Esperem... tem alguma coisa aqui."
Ele se agacha. A câmera em seu capacete mostra sua mão enluvada mergulhando na água escura.
"É um objeto pequeno... parece... um amuleto."
Ele o levanta para a luz. É um pequeno pingente de metal, manchado pelo tempo e pela umidade. Ele o limpa com o polegar.
"Tem um nome gravado," ele diz. "S-O-F-I-A."
Lá em cima, o caos se instala.
"Eu sabia!" grita minha mãe, triunfante e horrorizada ao mesmo tempo. "Bruxaria! Ela estava fazendo um feitiço para prejudicar a minha filha!"
Tiago xinga alto. "Maldita! Até depois de morta ela continua tentando fazer mal para a Sofia!"
Sofia, no timing perfeito, desaba em um choro convulsivo.
"Era meu," ela soluça. "Ela roubou de mim uma semana antes de... de desaparecer. Eu não sabia o que ela queria fazer com ele."
Ela mostra o pulso para a câmera do cinegrafista que ficou na superfície. "Ela até me machucou para pegar. Vejam a marca!"
Uma pequena cicatriz, quase invisível, aparece em sua pele. Uma cicatriz que eu sei que ela conseguiu ao cair de bicicleta anos atrás.
Na tela, a audiência vai à loucura.
"Bruxa! A Luana era uma bruxa!"
"Agora tudo faz sentido! A inveja dela era doentia!"
"Prendam essa família por acobertar um monstro!"
Zé Coragem, no fundo do poço, parece alheio à comoção. Ele continua a vasculhar a lama.
"Tem mais coisas... restos de tecido... parecem roupas rasgadas."
De repente, todas as luzes se apagam. A do capacete de Zé, a da câmera principal, as lanternas da equipe. A mansão e o jardim mergulham em uma escuridão total e absoluta.
Um grito coletivo ecoa na noite.
A transmissão ao vivo é cortada, a tela fica preta.
Por um longo minuto, há apenas o som do vento e da respiração ofegante e assustada da minha família e da equipe.
"O que foi isso?" grita meu pai.
"É ela! É o espírito dela!" chora Sofia. "Ela não quer que descubram seus segredos! Ela vai nos matar!"
O pânico toma conta. A equipe de filmagem tenta ligar as lanternas de emergência, as mãos tremendo.
Então, tão subitamente quanto se apagou, a energia volta. As luzes piscam e se estabilizam.
No fundo do poço, a luz do capacete de Zé Coragem também volta a acender. Ele está parado, olhando para cima, o rosto pálido.
A transmissão é restabelecida. A tela volta a exibir as imagens, agora tremidas e caóticas.
Os comentários na internet explodem com teorias sobrenaturais.
"Eu vi! As luzes piscaram sozinhas!"
"Isso foi um sinal! O espírito existe!"
"Zé, sai daí agora!"
Minha mãe, Helena, está rezando em voz alta, agarrada ao seu crucifixo.
Mas Sofia, mais uma vez, age rápido para controlar a narrativa.
"Não foi o espírito dela," ela diz, com a voz firme, embora ainda fingindo tremer. "Foi ela. Ela está viva. Ela deve estar perto, sabotando a energia para nos assustar! Ela é uma enganadora!"
Suas palavras cortam o medo sobrenatural e o substituem pela raiva familiar.
"É verdade," concorda Tiago, o alívio por uma explicação "racional" evidente em sua voz. "É a cara da Luana fazer uma coisa dessas. Sempre querendo atenção, sempre com seus truques sujos."
O breve momento de dúvida, a pequena fresta por onde a verdade poderia ter entrado, se fecha.
Eles escolheram, mais uma vez, a mentira que lhes era mais conveniente.