"O que aconteceu? Ricardo, o que ela está fazendo aqui?" perguntei, sentindo um nó se formar no meu estômago.
"Isabela morreu" , disse ele, as palavras saindo como pedras. "Houve um acidente de carro."
Meu coração parou. Isabela, a filha de Helena, uma menina doce de sete anos. Eu a conhecia.
"Meu Deus... eu sinto muito, Helena" , eu disse, dando um passo em direção a ela, mas Ricardo me barrou com o braço.
"Não se aproxime dela" , rosnou ele. "A culpa é sua."
O mundo girou. "O quê? Como assim, a culpa é minha? Eu nem estava lá!"
"Você estava" , insistiu Helena, sua voz chorosa se transformando em uma acusação venenosa. "Eu vi seu carro. Você estava discutindo com alguém no telefone, distraída. Você causou o acidente, Sofia. Você matou a minha filha!"
Era uma mentira descarada, absurda. Eu passei o dia todo em casa, preparando o quarto do nosso bebê. Minha barriga de oito meses era a prova disso.
"Isso é loucura! Ricardo, você não pode acreditar nisso!"
Mas ele acreditava. Ou queria acreditar. O amor antigo por Helena, a culpa que ele sentia por tê-la deixado, tudo isso o cegou. Ele olhou para mim, e eu não vi meu marido, apenas um carrasco.
"Você vai consertar isso, Sofia."
"Consertar? Como eu posso consertar a morte de uma criança?"
Ele olhou para a minha barriga, para o nosso filho que se mexia dentro de mim. O olhar dele era o de um cirurgião frio, avaliando um procedimento.
"Você vai tirar isso" , disse ele, apontando para o meu ventre. "Nós vamos tirar isso."
O ar me faltou. "Você enlouqueceu? Este é o nosso filho!"
"Nós não temos mais um filho" , disse ele, sua voz mortalmente calma. "Você tirou a filha de Helena, vai dar a ela uma nova. Recuperamos células de Isabela. Intactas. Podemos cloná-la. E você será a barriga de aluguel."
O horror daquelas palavras me paralisou. Ele não estava louco, ele estava sendo monstruoso. Helena, por trás dele, sorria por entre as lágrimas. Um sorriso de vitória.
Tentei lutar. Gritei, chorei, implorei. Mas Ricardo era mais forte. Ele me arrastou para fora de casa, me empurrou para dentro do carro. A clínica dele era um lugar que eu conhecia, um lugar de cura que agora se tornaria minha câmara de tortura.
Naquela noite, eles me amarraram a uma maca. Eu senti a picada da agulha no meu braço, a anestesia começando a tomar conta do meu corpo, silenciando meus gritos, mas não meu desespero. Meu filho, nosso pequeno anjo, chutava dentro de mim, como se soubesse o que estava por vir.
"Por favor, Ricardo, não... nosso bebê..." , sussurrei, enquanto minhas pálpebras pesavam.
A última coisa que vi foi o rosto dele, impassível, enquanto ele entregava o bisturi para um de seus assistentes.
Quando acordei, a dor no meu ventre era um abismo vazio. O peso que me acompanhou por oito meses tinha desaparecido. Eu levei a mão à minha barriga e só encontrei um vazio frio e doloroso. Eles tinham tirado meu filho. Eles o tinham matado.
Dias depois, ainda dopada e fraca, eles me levaram para a sala de cirurgia novamente. Desta vez, para o implante. Eles colocaram o embrião de Isabela, a cópia de uma criança morta, dentro do meu útero violado. Meu corpo, que deveria ser um santuário para o meu filho, agora era uma prisão para o clone da filha da amante do meu marido.
Eles me levaram de volta para nossa casa, mas não era mais um lar. Era uma cela. Ricardo me trancou no quarto de hóspedes. As janelas foram pregadas, a porta trancada por fora. Eu era uma prisioneira, uma incubadora humana.
"Isso é para o seu próprio bem" , disse ele, através da porta. "E para o bem da criança. Não tente nenhuma besteira."
A dor da perda do meu filho era uma ferida aberta que não cicatrizava. A raiva, a traição, a injustiça, tudo se misturava em um veneno que corria nas minhas veias. A vida não tinha mais sentido.
Numa noite, enquanto a casa estava silenciosa, encontrei um caco de vidro de um copo que tinha quebrado dias antes e que eles não notaram. Eu o escondi debaixo do colchão.
Com as mãos trêmulas, eu o peguei. A dor física não seria nada comparada à dor que eu sentia na alma. Eu só queria que tudo acabasse. Queria me juntar ao meu filho, onde quer que ele estivesse.
Pressionei o vidro contra meu pulso, sentindo a ponta afiada contra a minha pele. Fechei os olhos, pronta para acabar com o sofrimento.
Mas a porta se abriu de repente. Ricardo entrou. Ele viu o que eu estava fazendo e se moveu com a rapidez de um predador. Ele arrancou o caco de vidro da minha mão, o corte foi fundo, e o sangue começou a jorrar.
"Sua idiota! Você quer matar a filha de Helena de novo?" ele gritou, seu rosto contorcido de fúria.
Ele não estava preocupado comigo. Ele estava preocupado com a carga que eu carregava.
Ele me jogou de volta na cama, pegou seu kit de primeiros socorros e começou a limpar e suturar o corte de forma grosseira, sem anestesia. A dor era aguda, mas eu não gritei. Eu estava vazia.
Depois que ele terminou, ele olhou para mim com nojo.
"Isso não vai mais acontecer."
Ele saiu e voltou com cordas. Ele amarrou minhas mãos e meus pés na cabeceira e nos pés da cama. Eu estava imobilizada, um corpo vivo em uma tumba, forçada a gerar uma vida que eu odiava, no lugar da vida que eu amava e que me foi roubada. O desespero era tão absoluto que nem as lágrimas vinham mais.