Destino Escrito em Chamas
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Capítulo 2

Os dias se transformaram em semanas, e as semanas em meses. Minha única noção do tempo era o crescimento lento e nauseante da barriga que eu era forçada a carregar. A ferida no meu pulso cicatrizou, mas os nervos foram danificados. Minha mão esquerda ficou permanentemente fraca, os dedos se curvando de forma estranha, um lembrete constante da minha tentativa falha de escapar.

Ricardo me visitava todos os dias. Ele não era mais o marido que eu amava, mas um carcereiro eficiente. Ele trazia comida, vitaminas, tudo para garantir que "a criança" estivesse saudável. Ele nunca olhava nos meus olhos. Seu foco estava sempre na minha barriga.

Uma manhã, ele entrou no quarto com uma bandeja.

"Você não comeu ontem à noite, Sofia. Isso não pode continuar. Você precisa se alimentar por ela."

Eu virei o rosto, recusando a comida. Eu não queria nutrir aquele ser.

Ele suspirou, um som de pura irritação. Ele se sentou na beira da cama e pegou a colher.

"Não me obrigue a fazer isso."

Seu tom era uma ameaça clara. Eu sabia que ele era capaz de qualquer coisa. Com os lábios trêmulos, eu abri a boca e deixei que ele me alimentasse como se eu fosse um animal. Cada colherada era uma humilhação.

"Bom" , disse ele, quando a tigela estava vazia. "Assim é melhor."

Ele se levantou para sair e então parou, olhando para um pequeno baú de madeira no canto do quarto. Era onde eu guardava as coisas que tinha comprado para o meu filho. As roupinhas, os sapatinhos, um ursinho de pelúcia.

Ele caminhou até o baú e o abriu. Ele pegou uma pequena camisa azul. Ele a olhou por um momento, e por uma fração de segundo, eu pensei ter visto um lampejo de dor em seu rosto. Mas desapareceu tão rápido quanto apareceu.

Ele se virou para mim, seu rosto uma máscara de crueldade. Ele pegou uma tesoura de sua maleta médica e começou a cortar a roupinha em pedaços minúsculos.

"O que... o que você está fazendo?" minha voz era um sussurro rouco.

Ele não respondeu. Ele colocou os pedaços de pano em uma tigela, adicionou um pouco de água e amassou tudo até formar uma pasta nojenta.

Ele trouxe a tigela para mim.

"Coma."

Eu olhei para ele, incrédula. "Não... por favor..."

"Coma" , ele repetiu, sua voz baixa e perigosa. "Você precisa esquecer o que perdeu. Helena precisa que você se concentre no que está por vir."

As lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto ele forçava a primeira colherada na minha boca. O gosto era de tecido molhado, de sonhos destruídos, de uma crueldade que não tinha nome. Eu engasguei, vomitei, mas ele me forçou a engolir tudo. Foi a tortura mais profunda, um ato de profanação contra a memória do meu filho.

Quando ele finalmente terminou, ele limpou minha boca com uma aspereza calculada.

"Eu vou viajar por algumas semanas. Uma conferência. Mas não pense que você estará sozinha."

Ele saiu do quarto e eu fiquei sozinha, tremendo, com o gosto da humilhação na boca. Nos dias que se seguiram, a gravidez avançou. Meu corpo se tornava cada vez mais pesado, a criança dentro de mim se movia, e cada movimento era uma violação. Eu emagreci, minha pele ficou pálida, meus olhos fundos. Eu era um fantasma habitando meu próprio corpo.

Ricardo cumpriu sua promessa. Ele não estava fisicamente presente, mas seu controle era absoluto. Uma enfermeira vinha duas vezes por dia para me dar injeções e verificar meus sinais vitais. E havia a câmera. Um pequeno ponto preto no canto do teto, me observando 24 horas por dia.

À noite, o telefone ao lado da cama tocava. Era ele.

"Você tomou seus remédios?"

"Sim."

"Comeu tudo?"

"Sim."

"A criança se mexeu hoje?"

"Sim."

As conversas eram sempre as mesmas. Frias, clínicas. Ele nunca perguntava como eu estava. Eu não existia. Apenas a incubadora existia.

Semanas depois, ele voltou. Eu o ouvi entrar na casa, a voz dele falando com Helena no andar de baixo. Então, a porta do meu quarto se abriu.

Ele parecia cansado. Ele caminhou até a cama e, para minha surpresa, não foi direto para a minha barriga. Ele olhou para o meu rosto.

"Você está pálida" , disse ele.

Eu não respondi.

Ele colocou a mão na minha testa, como costumava fazer quando eu estava doente. Por um momento, a familiaridade do gesto me fez sentir uma pontada de algo que quase se parecia com esperança.

Mas então ele falou.

"A saúde dela depende da sua. Helena está muito ansiosa. O parto está chegando. Você precisa ser forte."

E assim, a esperança morreu. Ele não se importava comigo. Ele estava apenas verificando a condição do recipiente. Ele se virou e saiu, me deixando na escuridão, com o movimento da criança que não era minha dentro de mim.

            
            

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