Meus irmãos, Pedro e João, já estavam lá, cada um com sua esposa, Maria e Sofia. Eles riam alto, bebiam o vinho caro que eu sabia que não tinham comprado e elogiavam a comida, como se a harmonia fosse real. Eu me sentei em silêncio, apenas observando. Cada risada deles parecia um eco da minha exaustão, dos anos que passei cuidando do nosso pai doente enquanto eles construíam suas vidas, livres de qualquer fardo.
No centro de tudo, como uma rainha em seu trono, estava minha mãe, Dona Clara. Aos setenta anos, ela ainda governava a família com mão de ferro, seu favoritismo pelos filhos homens nunca disfarçado, sempre evidente.
Depois que todos comeram até não poder mais, ela bateu um garfo contra uma taça de cristal, o som agudo silenciando a conversa fiada.
"Atenção, família. Tenho um anúncio importante para fazer esta noite."
Um silêncio expectante encheu a sala. Eu senti um nó no estômago. Anúncios de Dona Clara raramente eram bons para mim.
"Como vocês sabem, não estou ficando mais jovem. Pensei muito sobre o futuro e decidi que é hora de organizar minha herança. Não quero deixar problemas para depois que eu me for."
O ar ficou ainda mais pesado. Vi os olhos de Pedro e João brilharem com ganância. Maria e Sofia se ajeitaram em suas cadeiras, os sorrisos mal contidos.
Minha mãe começou a distribuição. Ela pegou uma pequena caixa de veludo e a entregou para Maria, esposa de Pedro.
"Maria, querida, para você, minhas joias de pérolas. Você sempre as admirou."
Maria abriu a caixa com um gritinho de prazer. Em seguida, outra caixa foi para Sofia.
"E para você, Sofia, meu conjunto de brincos e colar de ouro. Para que você brilhe ainda mais."
Sofia agradeceu com uma voz melosa. Minha mãe então se virou para o filho de Pedro, meu sobrinho, que tinha acabado de fazer dezoito anos.
"E para meu neto querido, uma quantia significativa para ajudá-lo a começar a vida, para comprar um carro ou dar entrada em um apartamento."
Ela não disse o valor, mas todos sabiam que era muito. Meu coração começou a bater mais rápido. E eu?
Então, ela se virou para os filhos.
"Pedro, meu primogênito, para você eu deixo o apartamento na praia. Você e sua família merecem ter um lugar para descansar."
"João, meu caçula, para você fica esta casa em que vivemos. Eu sei que você vai cuidar bem dela."
Os irmãos mal conseguiam esconder a euforia. Eles se levantaram para abraçar a mãe, agradecendo profusamente. Eu continuei sentada, paralisada. Minhas mãos estavam geladas. Ela distribuiu tudo. Absolutamente tudo. E meu nome não foi mencionado uma única vez. Eu era invisível.
A sala ficou em silêncio por um momento, todos me olhando, alguns com pena, outros com um triunfo mal disfarçado. Foi então que Dona Clara se virou para mim, com um sorriso que não alcançava seus olhos frios.
"Ah, Ana. Não pense que me esqueci de você, minha filha."
Uma pequena chama de esperança, tola e teimosa, acendeu-se em meu peito.
Ela continuou, sua voz soando como uma sentença final.
"Para você, eu deixo o maior presente de todos. A honra e a responsabilidade de cuidar de mim na minha velhice. Você sempre foi a mais cuidadosa, a mais prestativa. Nada mais justo que você fique com essa tarefa. Você virá morar comigo aqui, nesta casa que agora é de seu irmão, e cuidará de mim até o meu último dia."
O silêncio que se seguiu foi quebrado pelo som do meu mundo se partindo em mil pedaços. A injustiça era tão brutal, tão descarada, que me roubou o ar. Eu não era uma filha, era uma sentença. Um objeto a ser usado e descartado. A raiva, uma onda de fogo líquido, subiu pela minha garganta, queimando anos de silêncio, de resignação, de dor.