A cena que se seguiu foi de caos absoluto. A toalha de linho branco, os pratos de porcelana, os talheres de prata, as taças de cristal, os restos da ceia de Ano Novo – tudo voou pelo ar. O peru assado rolou pelo chão, o vinho tinto manchou a parede como sangue, e o som de louça se quebrando foi a trilha sonora da minha libertação.
Todos pularam para trás, chocados.
"Ana! Você enlouqueceu?!" gritou minha mãe, o rosto pálido de espanto e fúria.
"Louca?!" eu respondi, minha voz tremendo de ódio. "Louca eu fui por aguentar vocês por todos esses anos!"
Minha revolta não parou na mesa. Meus olhos pousaram no bolo de Ano Novo, um símbolo de celebração e esperança, que estava intacto sobre um aparador. Eu marchei até ele, o peguei com as duas mãos e o arremessei contra a parede, onde ele se espatifou em uma bagunça de creme e migalhas. Cada ato de destruição era um grito contra a injustiça, um golpe contra a fachada de família feliz que eles tanto se esforçavam para manter.
"Anos!" eu gritei, apontando um dedo trêmulo para minha mãe. "Anos da minha vida eu dediquei a esta família! Quem ficou ao lado do pai quando ele estava morrendo de câncer? Fui eu! Quem trocava as fraldas dele? Quem limpava o vômito? Quem passava as noites em claro no hospital, segurando a mão dele enquanto ele sentia dor? Fui eu!"
Meu peito subia e descia, o ar entrando nos meus pulmões com dificuldade. As lágrimas agora corriam livremente pelo meu rosto, mas não eram de tristeza, eram de pura raiva.
Eu me virei para meus irmãos, que me olhavam como se eu fosse um animal selvagem.
"E vocês?" cuspi as palavras. "Pedro, você aparecia uma vez por semana, por dez minutos, para dizer 'força, pai' e depois ia embora para sua vida perfeita! Você sequer sabe qual era o remédio que ele tomava?"
Pedro ficou vermelho, incapaz de responder.
"E você, João? Você dizia que não aguentava ver o pai daquele jeito, que era muito doloroso para você! Doloroso para você? E para mim? Você acha que era um passeio no parque? Enquanto vocês recebiam apartamentos e casas, eu recebia a dor, o cansaço, a solidão!"
Eu andava de um lado para o outro na sala destruída, cada palavra um desabafo de uma ferida que nunca cicatrizou.
"E agora? Depois de tudo, a herança é para os filhos homens, as joias para as noras que nunca levantaram um dedo para ajudar, e para mim? Para mim sobra a 'honra' de ser a enfermeira perpétua? A escrava particular da mamãe?"
Eu ri, um som amargo e quebrado.
"Vocês não me deram nada. Vocês tiraram tudo. Meu tempo, minha juventude, meu dinheiro, minha sanidade. E agora querem o resto da minha vida. Mas acabou. Acabou esta noite."