Depois que ela saiu, um silêncio pesado tomou conta da casa.
Era a minha deixa.
Comecei pelo guarda-roupa.
Abri minhas gavetas e comecei a tirar minhas coisas, dobrando cada camisa, cada calça, com uma precisão metódica.
Não havia raiva, não havia tristeza.
Havia apenas um vazio, uma sensação de tarefa a ser cumprida.
Peguei uma mala, uma que eu não usava há anos, e comecei a enchê-la.
Minhas roupas, meus livros, o velho relógio do meu avô.
Coisas que eram minhas antes de serem nossas.
Enquanto eu arrumava, minha mente vagou para o passado.
Eu e Ana nos conhecíamos desde crianças.
Nossas famílias eram amigas, e nós crescemos juntos.
Lembrei-me de uma tarde de verão, quando tínhamos uns dez anos, sentados debaixo de um velho ipê no quintal da casa dos pais dela.
"Pedro", ela disse, com a seriedade que só uma criança pode ter, "quando crescermos, vamos nos casar e ter um restaurante. Você vai cozinhar e eu vou comer tudo."
Eu ri.
"E você não vai fazer nada?", perguntei.
"Eu vou ser a pessoa que te diz o quão incrível você é", ela respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Nós fizemos uma promessa naquele dia, com os dedos entrelaçados.
Cuidaríamos um do outro.
Uma promessa infantil, mas que para mim, de alguma forma, nunca perdeu a validade.
Eu me tornei um chef por causa dela.
Para impressioná-la, para cumprir aquela promessa boba feita debaixo de uma árvore.
E por um tempo, funcionou.
Mas em algum lugar ao longo do caminho, a promessa se tornou unilateral.
Eu continuei cuidando, e ela... ela encontrou Lucas.
Fechei a mala.
Estava feito.
Peguei meu celular e liguei para meu advogado, que também era um velho amigo.
"Marcos, sou eu, Pedro."
"E aí, Pedro? Aconteceu alguma coisa?"
"Ela assinou", eu disse, minha voz firme. "Pode dar entrada nos papéis amanhã de manhã."
Houve uma pausa do outro lado da linha.
"Você tem certeza disso, cara? Absoluta certeza?"
"Nunca tive tanta certeza na minha vida", respondi. "Obrigado por tudo, Marcos."
"Se precisar de qualquer coisa, me ligue. Qualquer hora."
"Eu sei. Obrigado."
Desliguei e coloquei o celular no bolso.
Foi quando ele começou a tocar.
O nome de Ana brilhou na tela.
Meu primeiro instinto foi ignorar.
Mas uma curiosidade doentia me fez atender.
"Alô?"
"Pedro? Onde você está? A recepcionista do hotel em Paraty é uma idiota, eles não conseguem encontrar a reserva que Lucas fez!"
A voz dela era estridente, cheia de irritação.
Nenhuma pergunta sobre como eu estava, ou sobre a noite de gala no bistrô.
Apenas a reclamação dela, o problema dela.
"Eu não sei, Ana", respondi, mantendo a voz neutra.
"O que quer dizer com 'não sabe'? Ligue para eles! Resolva isso! Você é bom com essas coisas."
Era isso que eu era para ela.
O "resolvedor de problemas".
O zelador da vida dela.
"Lucas está aqui comigo, esperando", ela continuou, e eu podia ouvir a voz dele ao fundo, rindo de alguma coisa. "Nós planejamos uma noite incrível, e isso está estragando tudo. Anda logo, Pedro."
Um silêncio se estendeu.
Eu podia sentir a humilhação subindo pela minha garganta, quente e familiar.
Mas desta vez, algo era diferente.
Era a última vez.
"Não", eu disse.
A palavra saiu clara e definitiva.
Houve um silêncio chocado do outro lado.
"O que... o que você disse?"
"Eu disse não, Ana. Eu não vou ligar para o hotel. Não vou resolver o seu problema."
"Você está brincando comigo? Pedro, eu não tenho tempo para suas crises. Apenas faça!"
"Acabou, Ana."
"Acabou o quê? Do que você está falando?"
Eu respirei fundo.
"Nós. Acabou."
Antes que ela pudesse responder, antes que o choque se transformasse em raiva e manipulação, eu agi.
Com o polegar, naveguei até o contato dela.
As opções apareceram: Ligar, Mensagem, Bloquear.
Eu pressionei "Bloquear".
Uma pequena janela de confirmação apareceu. "Você não receberá mais chamadas ou mensagens deste número."
Eu confirmei.
Depois, fiz o mesmo nas redes sociais.
Um por um, cortei todos os fios que nos conectavam.
Foi como cortar a corda de uma âncora que me mantinha afundando.
Peguei minha mala, dei uma última olhada no apartamento que já não era meu lar, e saí, fechando a porta atrás de mim sem fazer barulho.
Eu não sabia para onde estava indo.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, eu estava indo para frente.