Eu dirigi sem rumo por algumas horas, apenas colocando distância entre mim e a vida que eu tinha deixado para trás.
Acabei em uma pequena cidade costeira a algumas horas de distância, um lugar onde ninguém me conhecia.
Aluguei um pequeno chalé mobiliado, a uma quadra da praia.
Era simples, um pouco desgastado, mas era meu.
Os primeiros dias foram estranhos.
O silêncio era a coisa mais alta.
Eu esperava que Ana tentasse me encontrar.
Que ela aparecesse na minha porta, furiosa ou chorando.
Que a família dela me ligasse, exigindo uma explicação.
Mas nada aconteceu.
Nenhuma ligação, nenhuma mensagem de um número desconhecido, nenhum e-mail.
A constatação doeu mais do que eu esperava.
Ela não estava me procurando.
Ela provavelmente nem tinha notado que eu tinha ido embora de verdade.
Para ela, eu era apenas um inconveniente que tinha se resolvido sozinho.
A ausência dela era a prova final e irrefutável da minha insignificância na vida dela.
Eu era tão descartável assim.
A confirmação veio uma semana depois.
Meu celular vibrou com uma mensagem de um número que eu não reconheci.
Era uma foto.
Abri a imagem e meu estômago revirou.
Era uma pilha das minhas coisas – meus livros de receitas, o avental que ganhei no meu primeiro estágio, fotos nossas – jogadas em sacos de lixo na calçada em frente ao nosso antigo prédio.
A mensagem abaixo da foto era curta e brutal.
"Espero que você esteja feliz, seu covarde. Você arruinou tudo. Pegue seu lixo ou eu vou queimar."
A mensagem não era de Ana.
Era de Lucas.
Mas as palavras, a raiva, a crueldade... eram dela, canalizadas através dele.
Eu olhei para a foto por um longo tempo.
Cada objeto naquela pilha continha uma memória, um pedaço da minha vida, do meu esforço.
Ver tudo aquilo tratado como lixo... foi a humilhação final.
Eles estavam juntos, felizes, se livrando do último vestígio de mim.
Eu apaguei a mensagem e bloqueei o número.
Não respondi.
Não havia nada a dizer.
Na história deles, eu era o vilão que os abandonou.
Eles precisavam de um vilão para justificar suas próprias ações.
Eu aceitei esse papel.
Se ser o vilão significava que eu estava livre, então que assim seja.
Que eles tivessem seu "felizes para sempre".
Eu precisava construir o meu próprio.
No dia seguinte, eu saí do chalé e caminhei pela cidade.
Eu precisava de algo para fazer, algo para ocupar minhas mãos e minha mente.
Passei por um pequeno restaurante local.
Uma placa na janela dizia: "Precisa-se de ajudante de cozinha. Sem experiência necessária."
Era um trabalho muito abaixo das minhas qualificações, um retrocesso de anos na minha carreira.
Mas era um começo.
Entrei.
O lugar era pequeno, familiar.
O cheiro de alho e azeite pairava no ar.
Um homem mais velho, com um avental manchado, me olhou de cima a baixo.
"Posso ajudar?"
"Eu vi a placa na janela", eu disse. "Sobre a vaga de ajudante."
Ele riu.
"Você parece um pouco... qualificado demais para lavar pratos, meu amigo."
"Eu preciso do trabalho", eu disse simplesmente. "E eu aprendo rápido."
Ele me estudou por um momento, depois deu de ombros.
"Tudo bem. Começa amanhã, às sete. Não se atrase."
Naquela noite, pela primeira vez em uma semana, eu cozinhei para mim mesmo.
Algo simples.
Um peixe fresco que comprei no mercado local, grelhado com limão e ervas.
Enquanto eu comia, sozinho na minha pequena cozinha, eu percebi que cozinhar não era apenas minha profissão.
Era minha âncora.
Era a única coisa que ninguém podia tirar de mim.