O funeral do meu cunhado Diogo foi num dia cinzento, o céu do Douro parecia chorar connosco. Eu e a minha irmã, Laura, casámos com os irmãos gémeos, Tiago e Diogo, filhos de uma das mais prestigiadas famílias de vinhos da região.
Agora, Laura era viúva. Diogo, um oficial da GNR, morreu como um herói em serviço, e a sua morte abriu um buraco nas nossas vidas.
Eu agarrava a mão do meu marido, Tiago, o irmão gémeo idêntico de Diogo. Ele era o meu refúgio, o meu porto seguro.
A nossa sogra, uma mulher de ferro, estava desfeita. A dor transformou-a. No jantar após o funeral, o silêncio na enorme sala de jantar da quinta era pesado.
De repente, ela olhou para o Tiago, depois para a Laura, e disse algo que gelou o ar.
"Tiago, tens de dar um filho à Laura."
Fiquei paralisada. O garfo caiu da minha mão.
"Mãe, o que está a dizer?" perguntou Tiago, chocado.
"O Diogo era um herói," continuou a minha sogra, com a voz a tremer de uma convicção assustadora. "A linhagem dele não pode morrer. Tu és o seu gémeo. É teu dever honrar a memória dele. Tens de dar um neto a esta família, um filho do sangue do meu Diogo, através da mulher dele."
O ultraje subiu-me pela garganta. Era uma proposta monstruosa, um tabu que ninguém se atreveria a quebrar. Mas a minha própria mãe, sentada ao meu lado, colocou uma mão no meu braço.
"Sofia, a tua sogra está a sofrer," disse ela, em voz baixa. "E a tua irmã... Pensa na Laura. Ela perdeu tudo. Talvez devesses ser compreensiva."
A pressão dela era como um veneno lento. A minha mãe sempre favoreceu a Laura, a filha mais velha e, aos seus olhos, a mais perfeita. Desde criança que eu era a que tinha de ceder, de me sacrificar pela felicidade da Laura.
Lembrei-me de todas as vezes que tive de dar os meus brinquedos, as minhas roupas, os meus sonhos, para que a Laura pudesse sorrir.
Tiago era a minha única fuga daquela dinâmica familiar. Ele era o meu mundo. O amor dele era a única coisa que eu sentia que era verdadeiramente minha.
Idealizava-o, via-o como o meu cavaleiro. E, naquele momento, ele não me desiludiu.
"Isso é um absurdo!" disse Tiago, levantando-se. A sua voz ecoou na sala. "Eu amo a Sofia. Ela é a minha mulher. Nunca faria uma coisa dessas com ela, nem com a Laura, nem com a memória do meu irmão."
Ele veio para o meu lado, puxou-me para cima e abraçou-me com força à frente de todos.
"Não vou permitir que ninguém te magoe," sussurrou ele ao meu ouvido.
Senti um alívio imenso, uma gratidão que me encheu os olhos de lágrimas. Ele era o meu herói. Ele estava a proteger-me.
Mais tarde, nessa noite, no nosso quarto, agradeci-lhe novamente. Ele beijou-me e prometeu que tudo ficaria bem, que o amor dele por mim era inabalável.
Adormeci nos seus braços, sentindo-me segura pela primeira vez desde a morte de Diogo.
Mas, no meio da noite, acordei com sede. A casa estava silenciosa. Enquanto voltava da cozinha, passei pelo corredor onde ficava o quarto de hóspedes que a Laura estava a ocupar.
Ouvi um som.
Um som baixo, abafado. Um gemido.
Parei, o meu coração começou a bater mais depressa. Curiosidade e um mau pressentimento lutavam dentro de mim. Aproximei-me devagar da porta, que estava ligeiramente entreaberta.
Espreitei pela fresta.
E o meu mundo desabou.
Na cama, debaixo dos lençóis revoltos, estavam duas figuras. Uma era a minha irmã, Laura.
A outra era o meu marido, Tiago.
O meu herói. O meu protetor.
Fiquei ali, sem conseguir respirar, a ver a traição a acontecer à minha frente. O choque era tão grande que não consegui emitir um som. A dor era física, uma faca a torcer-se dentro do meu peito.