Acordei com o cheiro a antisséptico.
Estava num quarto de hospital. A minha cabeça latejava. Uma enfermeira estava a ajustar o meu soro.
"O que aconteceu?" perguntei, a voz rouca.
"A senhora teve um traumatismo craniano. O seu irmão trouxe-a. Ele estava muito preocupado."
Tiago. Não Mateus. A constatação doeu, mas não me surpreendeu.
Peguei no meu telemóvel. Tinha dezenas de notificações. Abri as redes sociais. A primeira coisa que vi foi uma publicação de Sofia.
Era uma foto dela, deitada numa cama, com um pequeno corte na testa. Mateus estava ao seu lado, a segurar-lhe na mão, o seu rosto uma máscara de preocupação e carinho.
A legenda dizia: "A Lara ficou louca e atacou-me. Sorte que o meu primo Mateus estava lá para me proteger. Estou tão assustada."
O meu sangue ferveu. Ela tinha virado a história toda contra mim. As feridas dela eram um arranhão. A minha era uma concussão. E ele estava ao lado dela.
"Enfermeira," chamei, a minha voz a tremer de raiva. "Eu quero apresentar queixa na polícia. Fui agredida."
A enfermeira olhou para mim com pena. "O seu marido já tratou de tudo, senhora. Ele disse que foi um acidente doméstico e pediu para não envolver as autoridades."
Claro que ele tinha. Proteger Sofia era a sua única prioridade.
A porta do quarto abriu-se e ele entrou. Mateus. A sua expressão não era de preocupação por mim, mas de irritação.
"O que é esta história de quereres chamar a polícia, Lara?"
"Ela atirou-me uma garrafa à cabeça, Mateus! Podia ter-me matado!"
Ele suspirou, como se eu fosse uma criança a fazer uma birra.
"A Sofia é impulsiva. Ela não teve a intenção. Já a castiguei."
"Castigaste-a? Como?" perguntei, incrédula.
"Ela vai ficar sem a sua mesada durante um mês."
A resposta era tão ridícula que eu só consegui rir. Uma risada amarga, cheia de dor.
"Um mês sem mesada? É essa a punição por quase me ter partido o crânio? E o que sou eu para ti, Mateus? O que é este casamento?"
A minha voz quebrou. Eu estava desesperada por uma réstia de decência, de humanidade da parte dele.
Ele olhou para mim, os seus olhos frios como gelo.
"Tu és a minha mulher. É teu dever seres compreensiva."
Depois, tirou um cartão de crédito da carteira e colocou-o na minha mesa de cabeceira.
"Isto é uma compensação. Compra o que quiseres. Agora descansa. A Sofia precisa de mim."
Ele virou-se e saiu, deixando-me sozinha com a minha dor, a minha humilhação e um pedaço de plástico inútil.
Naquele momento, olhando para o cartão de crédito, percebi que para Mateus, eu não era uma pessoa. Era um problema que podia ser resolvido com dinheiro. Um incómodo a ser gerido.
E o meu amor por ele, que já estava ferido de morte, deu o seu último suspiro.