Enquanto seu corpo se recuperava lentamente, ela começou a se preparar para a fuga, ela guardava pequenas porções de comida não perecível, escondia um pouco de dinheiro que conseguiu pegar da caixa de seu pai, e, o mais importante, ela estudava o mapa e o diário, memorizando cada detalhe, cada anotação, cada possível rota de fuga que seu pai poderia ter imaginado. O tesouro era a chave, não apenas para expor "O General", mas para financiar sua nova vida, longe daquele inferno.
Quando o castigo acabou, a vida voltou a uma rotina tensa, mas algo havia mudado, "O General" estava mais possessivo do que nunca, ele a levava para todos os lugares, como se quisesse exibi-la, para reafirmar seu domínio após o "acidente". Em uma reunião com outros líderes de milícias da cidade, em um restaurante caro na zona sul, ele a forçou a sentar ao seu lado, a mão dele nunca deixando sua perna ou suas costas.
"Esta é Maria, minha futura esposa", ele anunciou para a mesa cheia de criminosos, que riram e o parabenizaram.
Maria sentiu o estômago revirar, o pânico subindo por sua garganta, ela queria gritar, dizer que preferia morrer, mas se forçou a sorrir, o mesmo sorriso submisso de sempre.
Algumas semanas depois, o impensável aconteceu, ela começou a se sentir mal, enjoos matinais, tonturas. Como enfermeira, ela reconheceu os sinais imediatamente, mas se recusou a acreditar. Um teste de farmácia comprado às escondidas por uma vizinha de confiança confirmou seu pior pesadelo, ela estava grávida. Grávida do monstro que matou seu pai, do homem que a mantinha cativa.
O choque foi tão grande que ela ficou paralisada por um dia inteiro, sentada no chão de seu quarto, olhando para o nada, o desespero era uma onda que ameaçava afogá-la. Aquele filho não podia nascer, não podia ser um elo que a prenderia a ele para sempre, seria a sentença final de sua escravidão.
Com a ajuda de Dona Rosa, uma vizinha idosa e sábia que a conhecia desde criança e odiava a milícia em silêncio, Maria conseguiu marcar um procedimento clandestino com uma parteira em outra comunidade. Foi arriscado, perigoso, mas era sua única opção.
O procedimento foi realizado em uma sala nos fundos de uma casa, em condições precárias, a dor foi excruciante, física e emocionalmente, ela chorou silenciosamente durante todo o processo, chorando pelo filho que nunca teria, pela vida que lhe foi roubada, pela violência que seu corpo e sua alma tiveram que suportar. A dor da perda era uma ferida aberta em seu coração, uma cicatriz que nunca desapareceria.
Ela voltou para casa fraca, sangrando e com o coração em pedaços, tentando esconder sua condição, mas Valéria, com seu faro para a desgraça alheia, percebeu. Ela viu o jeito que Maria andava, a palidez em seu rosto, e juntou as peças.
Naquela noite, enquanto Maria estava deitada, tentando se recuperar, Valéria invadiu seu quarto, um sorriso cruel nos lábios.
"Eu sei o que você fez", ela sussurrou, saboreando cada palavra. "Você se livrou do filho do chefe."
Antes que Maria pudesse reagir, Valéria a atacou, chutando sua barriga com força, repetidamente.
"Vadia! Assassina!", ela gritava. "Você vai pagar por isso!"
A dor era insuportável, Maria gritou, uma mistura de agonia física e desespero. Seus gritos atraíram a atenção, e logo "O General" arrombou a porta, sua expressão era de fúria ao ver a cena.
Ele arrancou Valéria de cima de Maria, mas seu olhar para Maria era frio como gelo.
"O que está acontecendo aqui?", ele rosnou.
"Ela... ela tirou seu filho!", Valéria gritou, apontando para Maria.
O rosto do "General" se contorceu em uma máscara de raiva e incredulidade, ele olhou para Maria, para o sangue em suas roupas, para a dor em seus olhos, e a verdade o atingiu. Ele não disse nada, mas a violência em seu olhar era aterrorizante. Ele se aproximou da cama, e Maria encolheu-se, esperando o pior.
Ele não a tocou, em vez disso, ele voltou seu olhar para os pertences dela, que estavam espalhados pelo chão durante a briga, e no meio da bagunça, ele viu, um pequeno pedaço de papel, uma anotação de Zé, com um horário e um local, um plano de fuga.
Os olhos do "General" se estreitaram, a raiva pela perda do filho se misturando com a fúria da traição. Ele pegou o papel e o amassou na mão.
"Então você estava planejando me deixar", ele disse, a voz perigosamente calma. "Você não só matou meu filho, como estava planejando fugir de mim."
Ele se inclinou sobre ela, o rosto a centímetros do dela.
"Você não vai a lugar nenhum, Maria da Luz", ele sibilou. "Você nunca vai se livrar de mim, nunca."
A ameaça final selou seu destino, não havia mais esperança de uma fuga simples, ela estava mais presa do que nunca, e o ódio dele agora tinha um novo e terrível foco.