Enquanto esperava na fila, refleti sobre a minha vida. Por oito anos, eu vivi para Ricardo e sua família. Minha identidade estava entrelaçada com a deles. Eu era a esposa de Ricardo, a mãe de Pedro, a nora, a cuidadora. Eu havia me esquecido de quem era Sofia Mendes.
Agora, eu teria a chance de descobrir. Eu não queria nada dele que não fosse meu por direito. O advogado foi claro: metade de tudo que ele conquistou durante nosso casamento era legalmente meu. E eu não abriria mão de um único centavo. Não por ganância, mas por princípio. Era a compensação pelos meus anos de trabalho não remunerado, pelo meu sacrifício, pelas joias da minha mãe.
Pela primeira vez em muito tempo, senti uma centelha de algo que não era dor ou desespero. Era esperança. A esperança de um novo começo, de uma vida onde eu seria a protagonista, não uma coadjuvante esquecida.
Para minha surpresa, a resposta de Ricardo foi incrivelmente rápida. Dois dias depois, meu advogado me ligou.
"Sra. Mendes, tenho notícias. O Sr. Silva assinou os papéis do divórcio. E ele concordou com todos os termos da partilha de bens. Na verdade, ele está oferecendo um pouco mais do que o estipulado, incluindo a casa de praia."
Fiquei em silêncio por um momento, processando a informação. Eu esperava uma luta, uma batalha legal feia. A facilidade com que ele concordou foi... desconcertante. Talvez ele estivesse tão ansioso para se livrar de mim quanto eu estava para me livrar dele. A ideia doeu, mas também solidificou minha resolução.
Marcamos a data para finalizar o divórcio no cartório.
Quando cheguei, ele já estava lá, esperando. Ele parecia cansado. Havia olheiras sob seus olhos, e sua postura, normalmente tão confiante, parecia ligeiramente curvada. Ele usava um terno caro, mas parecia deslocado, como se a roupa fosse de outra pessoa.
Ele me olhou quando entrei. Seu rosto estava calmo, quase sereno. Não havia raiva, nem ressentimento. Apenas uma quietude vazia.
Sentamo-nos em frente ao funcionário do cartório, um espaço incômodo entre nós. Lembrei-me do dia em que nos casamos neste mesmo prédio. Ele segurou minha mão com tanta força, seus olhos brilhando de amor e promessas. Ele sussurrou que me amaria para sempre. "Para sempre" acabou sendo oito anos.
O funcionário passou pelos documentos com uma monotonia burocrática. Assinamos onde nos foi dito para assinar. Tudo estava quase acabado.
"Se ambos estão de acordo, vou emitir os certificados de divórcio", disse o funcionário.
"Espere", a voz de Ricardo soou, rouca.
Eu me virei para ele. Seu rosto calmo havia se desfeito. Havia pânico em seus olhos.
Ele estendeu a mão e agarrou meu pulso. Seu toque era quente, familiar, mas agora, indesejado.
"Sofia, por favor... não faça isso", ele sussurrou, sua voz embargada. "Pense no Pedro. Ele precisa de nós. Ele precisa da mãe dele."
A menção de Pedro quase me fez vacilar. A imagem de seu rosto zangado, gritando que me odiava, passou pela minha mente.
Puxei meu pulso de seu aperto.
"O Pedro fez a escolha dele, Ricardo. Ele não me quer. E você... você nunca me quis de verdade. Você só queria alguém para cuidar de tudo enquanto você construía seu império e se deixava encantar pela Isabella."
"Não é verdade!", ele disse, desesperado. "Eu cometi um erro. Eu fui um idiota. Por favor, me dê outra chance."
"Chances?", eu ri, um som amargo e sem alegria. "Eu te dei oito anos de chances, Ricardo. Todos os dias. E todos os dias, você escolheu a ela. Você, meus pais... até meu próprio filho. Acabou."
Olhei para o funcionário, que nos observava com um desconforto profissional.
"Pode prosseguir, por favor."
Ricardo me olhou, seu rosto se desfazendo em desespero. Ele parecia finalmente entender que isso era real. Que ele estava me perdendo.
"Eu vou me arrepender disso?", perguntei a mim mesma em voz alta, mais para solidificar minha própria convicção.
Então, respondi com uma clareza que veio do fundo da minha alma.
"Não. Nem por um segundo."
O funcionário carimbou os papéis com um baque final e nos entregou os certificados.
Peguei o meu. O papel era fino, mas parecia pesar uma tonelada. Oito anos de casamento, uma família, uma vida inteira de sonhos, tudo reduzido a um único documento.
Não olhei para Ricardo novamente. Levantei-me e saí do cartório, com o certificado de divórcio na mão.
O sol lá fora estava forte e brilhante. Parecia um bom presságio.
Eu estava livre.