"Um pouco", admiti, tentando sorrir de volta. "Pai, eu preciso te perguntar uma coisa."
"Pode perguntar, filha."
Aproximei-me, parando ao lado de sua poltrona. Ele usava a camisa azul que eu lhe dei de aniversário. Tudo parecia normal. Terrivelmente normal.
"Aconteceu uma coisa estranha com a mamãe agora há pouco. Ela... ela parecia diferente."
Ele franziu a testa, baixando o jornal.
"Diferente como? Sua mãe está sob muita pressão com este casamento, você sabe como ela é."
"Não, não foi isso. O rosto dela... por um segundo, pareceu se mexer, se distorcer." As palavras soaram insanas saindo da minha boca.
Meu pai me olhou com preocupação. Ele pousou a mão sobre a minha.
"Sofia, você não dormiu direito esta semana. São os nervos. É completamente normal sentir-se assim antes de um evento tão grande."
A explicação dele era tão lógica, tão razoável. Mas a imagem do rosto derretido da minha mãe estava gravada na minha retina.
E então, eu vi.
Algo pequeno. Um detalhe minúsculo, quase insignificante, mas que gritava para mim.
Meu pai tinha um furo na orelha esquerda, de um brinco que ele usou na juventude e tirou há décadas. O pequeno buraco era uma marca registrada dele. Mas o homem sentado na minha frente... ele tinha um brinco. Um pequeno ponto de prata brilhando na sua orelha direita.
Meu pai nunca furou a orelha direita.
O ar em meus pulmões se transformou em gelo. Minha garganta se fechou. Olhei para o rosto dele, o mesmo rosto que eu conhecia a vida toda, e de repente vi apenas um estranho. Uma farsa.
Ele percebeu a mudança na minha expressão. O sorriso dele vacilou.
"O que foi, filha? Você está pálida."
"Seu brinco", sussurrei, a voz mal saindo. "Você está usando um brinco. Na orelha errada."
Ele tocou a orelha direita instintivamente, e por uma fração de segundo, o pânico brilhou em seus olhos. Ele se recompôs rapidamente, forçando uma risada.
"Ah, isso! É uma longa história. Um amigo me convenceu a fazer um novo furo numa aposta boba semana passada. Sua mãe odiou."
Uma mentira. Uma mentira descarada e malfeita. Meus pais teriam brigado por dias por causa de algo assim. Eu saberia.
Ambos. Ambos eram impostores.
O aviso de Leo ecoou na minha cabeça, agora com um significado aterrorizante. Ele não estava me dizendo para não me casar com Marcos. Ele estava me dizendo para fugir desta casa. Fugir deles.
O que aconteceu com meus pais verdadeiros? Onde eles estavam?
O medo deu lugar a uma onda de adrenalina. Eu precisava sair daqui. Agora.
"Você tem razão, pai", eu disse, forçando um sorriso trêmulo. "Acho que preciso mesmo descansar. Vou me deitar um pouco."
Virei-me para sair, mas a mão dele agarrou meu braço. A força do aperto era chocante.
"Espere. Sua mãe disse que a cerimonialista está chegando. É melhor você ficar aqui."
A voz dele não era mais a do meu pai. Era fria, dura, sem emoção. O sorriso desapareceu, e o rosto que me olhava era o de um predador.
Eles sabiam que eu sabia.
Fui puxada para trás com violência. A mulher que se passava pela minha mãe apareceu na porta, bloqueando a saída. O sorriso dela também havia sumido.
"Aonde você pensa que vai, Sofia?"
Eles me encurralaram. Minha casa, meu refúgio, havia se tornado uma armadilha. Eles me arrastaram para fora do escritório, um de cada lado, suas mãos como garras de ferro nos meus braços.
"O que vocês querem de mim? Quem são vocês?" eu gritei, me debatendo.
"Vamos para o seu casamento, querida", disse a falsa mãe, a voz como seda envenenada. "Tudo vai ficar bem."
Eles me forçaram a descer as escadas e a entrar no carro que esperava na frente de casa. O pânico era um animal selvagem no meu peito, arranhando minhas entranhas. Eu estava sendo levada à força para o meu próprio casamento por duas criaturas que usavam os rostos dos meus pais.
E eu não tinha a menor ideia do porquê.