Sentei-me no sofá, o corpo dorido, a alma vazia. A minha mãe fez-me um chá, as suas mãos a pairar perto de mim como se eu fosse feita de vidro.
"Sofia, talvez devesses vir ficar comigo por uns tempos," sugeriu ela suavemente.
"Não, mãe. Esta é a minha casa. Eu não vou a lado nenhum."
Eu precisava de ficar. Precisava de enfrentar isto. Fugir só adiaria a dor.
Nessa noite, o Pedro finalmente chegou a casa.
Ele entrou na sala de estar e parou quando me viu no sofá. Parecia cansado, os seus ombros caídos. Por um momento, pareceu o homem com quem me casei.
Depois, ele abriu a boca.
"Precisamos de conversar," disse ele, a sua voz desprovida de emoção.
"Sim, precisamos," concordei, a minha voz igualmente fria.
Ele sentou-se na poltrona em frente a mim, mantendo uma distância segura.
"Olha, Sofia, o que aconteceu... foi uma tragédia. Uma coisa terrível. Mas culpar-me não vai trazer o bebé de volta."
Olhei para ele, incrédula. Ele estava a dar-me um sermão?
"Eu não te estou a culpar, Pedro. Estou a declarar um facto. Eu precisei de ti. Tu não estavas lá. O nosso filho morreu."
Ele passou a mão pelo cabelo, um gesto de frustração.
"Eu já te disse, a Eva estava a ter um ataque de pânico! O que é que eu devia fazer? Deixá-la sozinha naquele estado?"
"Ela tem família. Ela tem outros amigos. Eu só tinha a ti," disse eu, a minha voz a quebrar-se pela primeira vez. "Eu era a tua esposa. A carregar o teu filho."
"E tu achas que eu não sei isso? Achas que eu não estou a sofrer?" A sua voz elevou-se. "Eu perdi um filho também, sabes!"
"Perdeste? Tu nem sequer perguntaste por ele, Pedro. Nem uma vez. Não perguntaste o que aconteceu, não perguntaste se eu estava bem. A primeira coisa que fizeste foi culpar-me."
Ele desviou o olhar, incapaz de me encarar.
"Eu... eu entrei em pânico. Não sabia o que dizer."
"Mas sabias o que dizer à Eva, não sabias? Sabias como a consolar."
Ele levantou-se e começou a andar de um lado para o outro.
"Isso não é justo, Sofia. Tu estás a torcer as coisas. A Eva é a tua melhor amiga! Eu pensei que tu entenderias."
"Eu entendo perfeitamente," disse eu, levantando-me também, a minha força a regressar com a raiva. "Eu entendo que o nosso casamento acabou. Eu já falei com um advogado."
A sua cabeça virou-se bruscamente na minha direção, os seus olhos arregalados de choque.
"Um advogado? Já? Sofia, não podes estar a falar a sério. Nós acabámos de perder o nosso filho. Precisamos de nos apoiar um ao outro, não de nos separarmos."
"Apoiar um ao outro? Tu tens uma maneira estranha de mostrar apoio, Pedro. Ficar com outra mulher enquanto a tua esposa perde o teu filho não é o que eu chamo de apoio."
"Ela não é 'outra mulher', ela é a Eva!"
"Ela é a mulher com quem tu estavas enquanto o teu filho morria!" gritei, a palavra a sair rasgada e feia.
O rosto dele contorceu-se. "Não digas isso."
"É a verdade. E tu vais ter de viver com ela. Assim como eu."
Fui para o nosso quarto e comecei a tirar as minhas roupas do armário, enfiando-as numa mala. As minhas mãos tremiam, mas os meus movimentos eram determinados.
Ele seguiu-me, parando à porta.
"O que é que estás a fazer?"
"Estou a fazer as malas. Vou ficar no quarto de hóspedes. Até que um de nós se mude."
"Sofia, por favor. Não faças isto. Vamos resolver as coisas." Ele deu um passo na minha direção, a sua mão estendida.
Recuei. "Não me toques."
A sua mão caiu para o lado, o seu rosto uma máscara de derrota.
"É por causa do meu pai? Do que ele disse?"
"O teu pai só confirmou o que eu já sabia. Que para vocês, eu sou descartável. O nosso filho era descartável."
"Isso não é verdade!"
"Não é? Então olha-me nos olhos e diz-me que se pudesses voltar atrás, terias deixado a Eva e vindo para mim."
Ele abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. O silêncio foi a sua resposta.
Foi tudo o que eu precisava de saber.
Fechei a mala e passei por ele sem dizer mais uma palavra.
O casamento tinha acabado. A batalha estava apenas a começar.