Não Há Volta Para Nós
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Capítulo 4

Os dias que se seguiram foram uma guerra fria.

O Pedro mudou-se para o quarto de hóspedes, e eu retomei o quarto principal. Passávamos um pelo outro nos corredores como fantasmas, o ar pesado com palavras não ditas e ressentimento.

A resposta formal do advogado dele chegou. Eles contestavam tudo.

Alegavam "sofrimento emocional" da minha parte como a causa da rutura, sugerindo que a minha instabilidade após a perda do bebé tornava as minhas exigências irracionais.

Eles até tiveram a audácia de sugerir que a minha "incapacidade de levar a gravidez a termo" era uma falha da minha parte.

Era a voz do meu sogro, o senhor Almeida, a ecoar através do jargão legal.

Li a carta com uma calma assustadora. A raiva tinha-se solidificado em algo mais duro, mais frio. Determinação.

O meu advogado, um homem chamado Dr. Costa, que a minha mãe encontrou, era implacável.

"Isto é tática de intimidação, Sofia," disse ele ao telefone. "Eles estão a tentar desgastar-te, fazer-te sentir culpada para que aceites um acordo menor. Não vamos deixar."

"O que é que fazemos agora?"

"Nós contra-atacamos. Vamos reunir provas da negligência dele. Registos telefónicos, testemunhas. E vamos investigar a relação dele com a Eva. Se conseguirmos provar que havia mais do que amizade, isso fortalece o nosso caso."

A ideia de vasculhar a minha própria vida, de expor a traição da minha melhor amiga e do meu marido, era nauseante.

Mas era necessário.

Comecei a juntar as peças. Os registos do meu telemóvel mostravam as minhas 17 chamadas não atendidas para o Pedro naquela noite. Os registos dele, que o Dr. Costa conseguiu obter através de uma intimação, mostrariam que ele estava ao telefone com a Eva ou a trocar mensagens com ela durante esse tempo.

O verdadeiro golpe de mestre veio de uma fonte inesperada.

Uma vizinha, a Dona Amélia, uma senhora idosa que passava a maior parte do dia na sua janela, tinha visto a Eva a chegar ao nosso prédio muitas vezes quando eu estava a trabalhar.

"Ela vinha sempre à hora do almoço, querida," disse-me ela, com os seus olhos perspicazes a não perderem nada. "Ficava uma ou duas horas. O carro do teu marido estava sempre cá."

Eu sentia-me doente. Não era apenas uma queda. Era um caso. Um caso que acontecia debaixo do meu nariz, na minha própria casa.

Com esta nova informação, o Dr. Costa preparou uma nova ofensiva.

Entretanto, a vida em casa tornou-se insuportável.

Uma noite, cheguei a casa do trabalho e encontrei o Pedro e o pai dele, o senhor Almeida, sentados na minha sala de estar.

O senhor Almeida levantou-se quando eu entrei. Ele era um homem alto e imponente, com olhos frios e um ar de superioridade.

"Sofia," disse ele, a sua voz um rosnado baixo. "Precisamos de acabar com esta loucura."

"A única loucura aqui é o facto de estarem na minha casa sem serem convidados," respondi, pousando a minha mala.

"Esta casa pertence ao meu filho," retorquiu ele.

"Metade dela pertence-me. E neste momento, é a minha metade que vocês estão a ocupar."

O Pedro parecia desconfortável. "Pai, talvez devêssemos..."

"Não, Pedro. Está na hora de pôr esta mulher no seu lugar." Ele virou-se para mim. "Nós oferecemos-te um acordo. Um acordo generoso, considerando as circunstâncias."

"Generoso? Vocês ofereceram-me migalhas e esperavam que eu agradecesse. Isso não vai acontecer."

"Tu és uma mulher ingrata," disse o senhor Almeida, dando um passo na minha direção. "Depois de tudo o que a nossa família fez por ti..."

"O que é que a vossa família fez por mim? Deu-me um marido que me traiu e me abandonou? Deu-me um sogro que me despreza? Obrigada, mas dispenso essa generosidade."

"Como te atreves a falar assim comigo?"

"Eu atrevo-me porque já não tenho nada a perder. Vocês tiraram-me tudo o que importava. Agora, só me resta lutar pelo que é meu por direito."

O Pedro finalmente interveio. "Sofia, por favor. Vamos ser razoáveis. O meu pai só está a tentar ajudar."

"Ajudar? Ele está a tentar intimidar-me. E não está a funcionar." Olhei diretamente para o senhor Almeida. "Eu sei sobre o caso, senhor Almeida. Eu sei que o Pedro e a Eva estavam juntos há meses. Eu tenho provas. Tenho testemunhas. Portanto, pode pegar na sua oferta 'generosa' e sair da minha casa."

O rosto do senhor Almeida perdeu a cor. Ele olhou para o Pedro, que de repente parecia muito pequeno.

"Pedro? Do que é que ela está a falar?"

O Pedro não conseguiu responder. A sua culpa estava escrita em todo o seu rosto.

O senhor Almeida virou-se para mim, a sua fúria substituída por um cálculo frio.

"Tu és mais esperta do que eu pensava."

"As pessoas tendem a subestimar-me. É um erro que vocês os dois cometeram."

Ele endireitou o casaco. "Isto ainda não acabou."

"Eu sei," respondi. "Mal começou."

Ele fez um gesto brusco ao Pedro. "Vamos embora."

O Pedro olhou para mim uma última vez, uma mistura de raiva, culpa e algo que se parecia com medo nos seus olhos.

Depois, ele seguiu o pai para fora da minha casa.

Quando a porta se fechou, eu finalmente me permiti tremer.

A batalha tinha sido vencida. Mas a guerra estava longe de terminar.

                         

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