"Sua pestinha! Acha que pode vir aqui, roubar o que é meu e sair rindo?"
A voz de João era puro veneno, destilado diretamente no ouvido de Sofia, que soluçava sem parar. Ele a sacudia pelo braço, como se ela fosse uma boneca de pano.
"Pelo amor de Deus, pare com isso! Você não está entendendo!", eu implorei, tentando me colocar entre eles.
Tentei avançar, mas Ana, a esposa, me barrou o caminho. Ela era mais alta e mais corpulenta do que eu.
"Fica quieta aí, sua vagabunda. Acha que a gente não sabe o seu truque?"
"Truque? Que truque? Minha filha pegou uma borracha de cinco reais por engano! Nós viemos devolver, pedir desculpas!" Minha voz saiu esganiçada, cheia de desespero.
João riu. Uma risada feia, sem humor algum.
"Devolver? Ah, claro. Devolver uma borracha de cinco reais depois de roubar centenas de reais em mercadoria por meses? Bela tática."
Ele estava falando sério. A convicção em sua voz era aterrorizante.
"Do que você está falando? Nós nunca roubamos nada! Nós mal viemos a esta loja!"
A minha tentativa de defesa só pareceu enfurecê-lo mais.
"Não se faça de desentendida! Eu tenho tudo anotado! Toda semana some alguma coisa. Canetas importadas, calculadoras, cadernos caros. Coisas que uma criança pode esconder fácil na mochila enquanto a mãe 'distrai' o vendedor."
Ele soltou Sofia com um empurrão que a fez cair sentada no chão. O baque surdo do seu corpo pequeno contra o piso frio me atingiu como um soco.
Naquele instante, uma avalanche de arrependimento e culpa caiu sobre mim. Eu a trouxe aqui. Eu, com minha moralidade estrita, com minha necessidade de ensinar uma lição. Eu a coloquei nesta situação. A minha tentativa de fazer o certo tinha aberto as portas do inferno para a minha filha. Eu queria ensiná-la sobre a beleza da honestidade, e tudo que ela estava aprendendo era sobre a brutalidade do mundo.
Enquanto Sofia chorava no chão, encolhida, João se virou para uma prateleira atrás do balcão e pegou um caderno de capa preta.
Ele o abriu com um gesto teatral.
"Está tudo aqui. Datas, itens, valores. Eu estava só esperando o dia de pegar vocês no flagra."
Meu cérebro tentava processar a informação. Um mal-entendido. Um erro grotesco. Ele não estava nos acusando por causa da borracha. A borracha foi apenas o gatilho. Ele nos confundiu com outras pessoas, com ladrões de verdade que vinham agindo há tempos.
O alívio inicial de entender o erro foi imediatamente substituído por um pavor ainda maior.
Ele não acreditava que éramos inocentes. Para ele, nós éramos as culpadas que ele tanto caçava.
E ele não parecia do tipo que ouvia explicações.
"Senhor, eu juro pela vida da minha filha, isso é um engano. Deve haver outras pessoas..."
"Ah, claro! Sempre tem!" Ana zombou, cruzando os braços. "A desculpa é sempre a mesma. Mas hoje a casa caiu pra vocês."
O nó no meu estômago se apertou até doer. A situação tinha saído completamente do controle. Não era mais sobre uma lição de moral. Era sobre sobrevivência.