A gritaria de João atraiu mais gente. Em poucos minutos, um pequeno grupo de curiosos se formou na porta da loja. Ninguém entrava, ninguém intervinha. Apenas olhavam, com uma mistura de curiosidade e julgamento. O homem com o celular continuava a gravar, seu rosto uma máscara impassível.
A plateia pareceu dar mais força a João. Ele se virou para eles, apontando para mim e para Sofia.
"Vejam todos! Essa mulher usa a própria filha para roubar! Se faz de coitada, mas é uma criminosa! É por causa de gente assim que o nosso país não vai pra frente!"
Suas palavras eram um espetáculo público. Ele nos julgava e condenava ali mesmo, na frente de todos.
"Isso é mentira! Calúnia!", gritei, a voz embargada pela raiva e pela humilhação.
"Calúnia? Calúnia é o que vocês fizeram com o meu negócio!", Ana retrucou, o rosto contorcido de ódio. "Achou que ia trazer a menina pra devolver uma borrachinha e sair impune, né? Pra limpar a barra? A gente não é trouxa!"
A acusação dela era tão absurda, tão distorcida, que por um momento eu fiquei sem ar. Eles haviam criado uma narrativa inteira na cabeça deles, uma em que eu era uma ladra ardilosa e manipuladora.
Antes que eu pudesse responder, João se moveu de novo. Ele foi até Sofia, que ainda estava no chão, e a agarrou pelo braço mais uma vez.
"Vem cá, sua ladrazinha. Você vai me mostrar onde escondeu as outras coisas."
Ele a arrastou pelo chão da loja. As solas dos sapatinhos dela se arrastavam no piso, fazendo um som horrível.
"NÃO! LARGA ELA!", eu gritei, me jogando para a frente.
Tentei alcançá-la, mas Ana me segurou com força pelos ombros. Suas unhas cravaram na minha pele, mesmo através do tecido da minha blusa.
"Fica quieta, sua desgraçada! Deixa ele resolver isso!"
Eu me debatia, mas era inútil. Ela me segurava com uma força surpreendente. Eu só podia assistir, impotente, enquanto João arrastava minha filha para os fundos da loja.
"Não tem nada! Eu juro, não tem nada!", Sofia gritava em pânico.
Ele a ignorou. Abriu a mochila dela com um puxão violento, virando tudo de cabeça para baixo no chão. Cadernos, lápis de cor, um estojo, um pequeno lanche. Nada além do material escolar de uma criança.
A ausência de provas não o deteve. Pelo contrário, pareceu aumentar sua fúria.
Ele voltou para o balcão, pegou o caderno preto e o jogou na minha frente.
"Não tem nada, é? E isso aqui?"
Ele abriu na página onde havia uma lista de itens e valores somados à mão. O total no final da página era um absurdo.
"Cinco mil, duzentos e quarenta e três reais. É isso que vocês me devem. Ou vocês pagam agora, ou eu chamo a polícia e garanto que essa menina vá para um reformatório e você para a cadeia."
O ar saiu dos meus pulmões. Cinco mil reais. Era mais do que eu ganhava em um mês como professora. A acusação tinha se transformado em extorsão. Ele não queria justiça. Ele queria dinheiro. A borracha de cinco reais havia se tornado um pretexto para um sequestro e uma cobrança de resgate.