O som de um motor potente e silencioso interrompeu a tranquilidade da rua. Olhei pela janela empoeirada e vi um sedã preto, caro e reluzente, estacionado em frente à nossa fachada modesta. O contraste era gritante. Ninguém com um carro daqueles parava no nosso bairro, a não ser que estivesse perdido.
Uma mulher elegante desceu do carro. Usava um vestido de linho bege e sapatos de salto baixo que pareciam mais caros que o meu aluguel. Ela olhou para a placa da oficina com uma expressão de incerteza antes de caminhar em direção à porta.
Preparei-me para o que quer que fosse. Provavelmente uma cliente rica querendo um orçamento para uma peça delicada, ou talvez reclamar de um preço.
"Pois não?" , perguntei, limpando as mãos em um pano velho, mantendo uma distância profissional.
A mulher me olhou de cima a baixo. Seus olhos, de um castanho claro e familiar, se arregalaram um pouco. Havia uma mistura de nervosismo e algo mais que eu não consegui identificar em seu rosto.
"Eu... procuro por Maria" , ela disse, a voz um pouco trêmula.
"Sou eu" , respondi de forma direta. "Em que posso ajudar?"
Ela respirou fundo, como se tomasse coragem para um mergulho em águas geladas. Seus dedos apertavam a alça da bolsa de couro.
"Meu nome é Ana. Ana Albuquerque Martins."
O nome não significava nada para mim. Esperei.
Então, ela soltou a bomba, sem rodeios, sem preparação.
"Eu sou sua mãe. Sua mãe biológica."
O mundo não parou. O cheiro de verniz não desapareceu. Eu continuei de pé, com o pano na mão. A única coisa que mudou foi o silêncio que se instalou entre nós, denso e pesado. Olhei para ela, para o seu rosto bem maquiado, para as suas mãos com unhas perfeitas, e não senti nada. Nenhuma conexão, nenhuma emoção avassaladora. Apenas uma estranha sensação de irrealidade.
Com a maior calma do mundo, voltei a limpar o armário. Minha mão não tremia.
"A senhora deve estar enganada" , falei, com a voz firme. "Minha mãe está lá em cima, preparando o almoço."
A reação dela foi o que me confirmou que não era uma piada de mau gosto. A mulher, Ana, pareceu encolher. A postura elegante se desfez, e uma onda de vergonha e culpa tomou conta do seu rosto. Ela deu um passo para trás, como se minhas palavras a tivessem atingido fisicamente.
"Não, eu... eu tenho certeza. Por favor, me escute."
Sua vulnerabilidade era palpável, mas não me comoveu. Apenas me deixou mais alerta.