Ele caminhou até a mesa e pegou o copo de leite que estava ali para Clara. Com um gesto brusco, ele o jogou no chão, o líquido branco espirrando nas pernas dela. "Se você gosta tanto de bagunça, aqui está mais para você!"
O ambiente ficou gelado. O empregado que derrubou a bandeja estava pálido, imóvel de medo. Os outros fingiam não ver.
Heitor se inclinou sobre Clara, o rosto a centímetros do dela. "Eu estou cansado disso, Clara. Cansado da sua melancolia, do seu silêncio, da sua ingratidão. Eu te dei tudo."
Ele se afastou, passando a mão pelo cabelo, frustrado. "Eu não quero mais ver seu rosto pelo resto do dia. Vá para o seu quarto e fique lá."
Clara se levantou, as pernas trêmulas. Ela não disse uma palavra. A humilhação era um casaco pesado sobre seus ombros. Ela caminhou em direção às escadas, sentindo os olhares de todos nela.
Mais tarde, do seu quarto, ela ouviu. Risadas. A voz de Heitor, mais suave agora. A voz de Sofia, cheia de alegria. Eles estavam na sala de estar, assistindo a um filme. O som da felicidade deles era uma tortura. Cada risada era um golpe.
Clara se sentou no chão frio do banheiro. Ela abriu a torneira para abafar os sons. Ela olhou para seu reflexo no espelho. O rosto pálido, os olhos sem vida. Ela pensou no Heitor do passado, o que sorria para ela no orfanato. Onde estava aquele homem? Ele existiu algum dia?
Ela começou a esfregar o rosto com força, as unhas arranhando a pele. Ela queria apagar a imagem dele de sua mente, apagar qualquer sentimento que um dia pudesse ter tido. "Eu não o amo", ela sussurrou para o espelho, a voz rouca. "Eu não o amo." Ela repetiu as palavras de novo e de novo, como um mantra, uma tentativa desesperada de se convencer, de se punir por qualquer fraqueza que ainda restasse.
No dia seguinte, Heitor agiu como se nada tivesse acontecido. Era seu método. Explosões de fúria seguidas por uma normalidade fria.
Durante o café da manhã, ele notou uma pequena marca vermelha na testa dela, onde ela tinha se arranhado.
"O que é isso na sua testa?", ele perguntou, o tom desconfiado.
"Eu bati no batente da porta", ela mentiu, a voz baixa.
Sofia a olhou. "Você precisa ter mais cuidado, Clara. Você é tão desajeitada."
Heitor não pareceu convencido, mas deixou passar. Mais tarde naquele dia, ele anunciou que haveria uma festa na casa no fim de semana. Um evento de negócios importante.
"E você vai participar, Clara", ele ordenou. "Você vai usar o vestido que Sofia escolher para você, vai sorrir e ser agradável com os convidados. Entendido?"
"Eu não quero", a palavra escapou antes que ela pudesse contê-la.
O silêncio caiu sobre a sala. Os olhos de Heitor se tornaram duros como pedra. "Não foi um pedido."
Sofia interveio, a voz suave como seda. "Heitor, não seja tão duro. Ela só é tímida. Eu vou ajudá-la a se preparar. Nós vamos nos divertir, não vamos, Clara?"
O sorriso de Sofia era uma ameaça. Clara sabia que não tinha escolha. A festa seria mais um palco para sua humilhação.
Na noite da festa, Sofia entrou no quarto de Clara com um vestido. Era lindo, de um azul profundo, mas era decotado e justo demais. Desconfortável. Exposto.
"Você vai ficar linda nisso", disse Sofia, entregando o vestido. Enquanto Clara se trocava, Sofia "casualmente" mencionou: "Sabe, Clara, Heitor odeia quando as pessoas guardam segredos dele. Ele valoriza a honestidade acima de tudo. Se ele descobrisse que alguém está, digamos, planejando fugir... ele não ficaria nada feliz."
Clara gelou. Como ela sabia? Seu olhar encontrou o de Sofia no espelho. O sorriso de Sofia era pequeno, mas cheio de veneno.
"Eu não sei do que você está falando", Clara conseguiu dizer.
"Ah, não? Eu vi você contando dinheiro outro dia. Escondido num livro velho. Uma passagem de ônibus custa caro, não é? Heitor ficaria tão magoado. Ele te acolheu, te deu uma vida que você nunca teria. E é assim que você o agradece?", Sofia continuou, a voz ainda doce. "Se eu fosse você, eu me comportaria muito bem esta noite. E talvez eu não precise mencionar nada sobre seu pequeno plano para ele."
A ameaça era clara. Clara estava presa. Sofia a tinha encurralado. Ela teria que ir à festa e fingir, sabendo que sua única esperança de liberdade estava nas mãos de sua maior inimiga. Clara sentiu o chão desaparecer sob seus pés.