O funcionário do cartório pigarreou, impaciente. "Senhores, preciso das assinaturas."
Eu peguei a caneta. Minhas mãos tremiam um pouco. A imagem de Sofia, minha noiva de infância, rindo na minha cara, invadiu minha mente. A humilhação ainda queimava em meu peito. Ela, ao lado de Lucas, me tratando como se eu fosse um lixo, um obstáculo em seu caminho.
Com um movimento rápido, assinei meu nome no papel. Ricardo.
Ana assinou logo em seguida, sua caligrafia era forte e decidida, assim como ela.
"Parabéns," disse o funcionário, sem emoção. "Estão casados."
Saímos do cartório e o sol forte de meio-dia me atingiu. O mundo parecia irreal. Eu era um médico, um homem que sempre planejou cada passo de sua vida, e agora estava casado com uma completa desconhecida.
"Então, marido," Ana disse, com um leve sorriso nos lábios. "Qual o próximo passo?"
"Eu preciso voltar para casa," eu disse, a palavra "casa" soando estranha na minha boca. Não era mais a minha casa.
"A casa da sua... ex-noiva?" ela perguntou, sem julgamento.
"É a casa da família dela, mas eu moro lá desde que meus pais morreram," expliquei, sentindo um nó na garganta. "Minhas coisas estão lá. As coisas da minha avó."
Ana simplesmente acenou com a cabeça. "Eu te levo. Onde fica?"
Eu dei o endereço e entrei no seu carro, um veículo robusto e prático. O silêncio entre nós não era desconfortável, era apenas... vazio. Um espaço que eu não sabia como preencher.
Quando o carro parou em frente à grande casa onde eu cresci, um arrepio percorreu minha espinha. A casa parecia diferente, hostil. As janelas pareciam olhos me observando com desprezo.
"Você quer que eu entre com você?" Ana ofereceu.
"Não precisa," eu disse, tentando parecer mais corajoso do que me sentia. "Não vou demorar."
Mas eu sabia que era mentira. Enfrentar a família de Sofia seria uma batalha.
Respirei fundo e saí do carro. Cada passo em direção à porta da frente parecia pesar uma tonelada. Girei a maçaneta. Trancada. Eles haviam trocado as fechaduras.
Senti uma onda de frio e raiva. Toquei a campainha.
Demorou um tempo, mas finalmente a mãe de Sofia, a Sra. Oliveira, abriu a porta. Seu rosto, que antes sempre sorria para mim, agora estava fechado, duro como pedra.
"Ricardo. O que você quer?" ela perguntou, a voz gélida.
"Eu vim buscar minhas coisas, Sra. Oliveira," eu disse, mantendo a calma.
"Suas coisas? Sofia já arrumou tudo para você. Está no quarto de hóspedes dos fundos," ela disse, sem nem me convidar para entrar.
A humilhação era um gosto amargo na minha boca. O quarto que era meu, cheio de memórias, agora estava proibido para mim.
Eu passei por ela, sentindo seu olhar de desaprovação nas minhas costas. A casa estava silenciosa. Subi as escadas e, ao passar pelo corredor, vi a porta do meu antigo quarto entreaberta. Lá dentro, ouvi risadas.
A risada de Sofia. E a voz de um homem. Lucas.
Meu coração parou por um segundo. A curiosidade dolorosa me fez parar e olhar pela fresta.
Sofia estava sentada na cama, a minha cama, vestindo uma de suas camisolas de seda. Lucas estava ao seu lado, sem camisa, passando os dedos pelos cabelos dela.
"Você acha que ele vai aceitar ir embora tão fácil?" Lucas perguntou, a voz cheia de arrogância.
"Ele não tem escolha," Sofia respondeu, com desdém. "Ele é fraco, sempre foi. Um cachorrinho leal. Mas agora ele não me serve mais. Mamãe e papai já concordaram que você é um genro muito melhor."
"E o seu diploma de médico? Ele não te ajudou a conseguir?" Lucas provocou.
Sofia riu, um som que me cortou por dentro. "Ele foi útil, eu admito. Mas agora eu sou a Dra. Sofia Oliveira, e você é o herdeiro de uma grande empresa. Somos o casal perfeito. Ricardo era só uma escada."
Senti meu sangue gelar. Meu estômago se revirou. Eu não conseguia respirar. Cada palavra era uma facada. Todo o meu amor, toda a minha dedicação, minha lealdade... tudo não passou de uma ferramenta para ela.
Eu me afastei da porta, cambaleando, sentindo náuseas. Eu precisava sair dali. Precisava pegar minhas coisas e desaparecer da vida deles para sempre. O casamento com Ana, antes um ato de puro desespero, agora parecia a única tábua de salvação em um oceano de mentiras.