A raiva me deu forças para carregar as caixas pesadas escada abaixo. Quando cheguei à sala de estar, a Sra. Oliveira estava lá, de braços cruzados, me esperando. Seu olhar era de pura desaprovação.
"Espero que você pegue tudo e não volte nunca mais," ela disse, a voz cortante.
Eu não respondi. Apenas continuei meu caminho em direção à porta. Foi então que meus olhos pousaram na mesinha de centro. Sobre ela, havia um porta-retratos quebrado. Dentro dele, uma foto minha com minha avó, a última que tiramos juntos antes de ela falecer. O vidro estava estilhaçado, e a foto, rasgada ao meio.
Um grito mudo se formou na minha garganta. Aquela era a única coisa que eu realmente valorizava naquela casa, a lembrança mais preciosa que eu tinha da mulher que me criou após a morte dos meus pais, antes de eu vir morar com os Oliveira.
"O que aconteceu aqui?" minha voz tremeu, uma mistura de dor e fúria.
A Sra. Oliveira deu de ombros. "Acidentes acontecem. Sofia estava limpando e deixou cair. Não tem importância."
"Não tem importância?" repeti-t, incrédulo. Eu me aproximei e peguei os pedaços da moldura. Minhas mãos tremiam tanto que quase os deixei cair.
Nesse momento, Sofia e Lucas desceram as escadas, rindo de alguma piada interna. Ao me verem ali, com o porta-retratos quebrado na mão, o sorriso de Sofia vacilou por um instante, mas logo foi substituído por uma máscara de irritação.
"O que você ainda está fazendo aqui, Ricardo?" ela perguntou.
"Você quebrou," eu disse, a voz baixa, perigosa. "Você quebrou a foto da minha avó."
"Ah, isso?" ela disse, com um gesto displicente. "Foi sem querer. Supere. É só uma foto velha."
"Não era só uma foto velha, Sofia," eu disse, sentindo as lágrimas de raiva brotarem nos meus olhos. "Era a minha avó."
Lucas se aproximou, colocando um braço protetor ao redor de Sofia. "Ei, cara, calma. Foi um acidente. Sofia já pediu desculpas, não é, amor?"
Ele a chamou de "amor". Na minha frente. Na casa onde eu vivi por anos.
De repente, Sofia mudou sua tática. Seus olhos se encheram de lágrimas falsas. "Ricardo, por que você está sendo tão cruel? Eu não fiz por mal! Você está me assustando!"
Ela se escondeu atrás de Lucas, como se eu fosse um monstro. E o pior: a mãe dela acreditou.
"Ricardo, peça desculpas à Sofia agora mesmo!" a Sra. Oliveira ordenou. "Você a está acusando injustamente e a magoando! Depois de tudo que fizemos por você, é assim que você nos agradece? Sendo agressivo?"
Eu olhei de um para o outro. Sofia, a atriz. Lucas, o cúmplice arrogante. A Sra. Oliveira, a juíza cega. Eu estava em um pesadelo. Eles viraram a situação contra mim com uma facilidade assustadora.
"Eu não vou pedir desculpas," eu disse, minha voz firme apesar da dor que me rasgava por dentro. "Eu sei que não foi um acidente."
"Chega!" gritou o Sr. Oliveira, que apareceu de repente, atraído pela confusão. "Eu não quero mais ouvir sua voz nesta casa. Você foi ingrato e desrespeitoso. Pegue suas tralhas e suma daqui. E seu antigo quarto? Sofia precisa de um closet maior, então já mandei esvaziá-lo. Suas coisas estão todas no quartinho dos fundos."
A última frase foi a pá de cal. Meu quarto. O único espaço que era verdadeiramente meu naquele lugar, transformado em um closet para as roupas de grife dela. Eles não estavam apenas me expulsando, estavam apagando qualquer vestígio da minha existência.
Eu me senti sufocado. O ar na sala ficou pesado, irrespirável. Meu corpo inteiro tremia. Eu olhei para o rosto de cada um deles: o desprezo de Sofia, a arrogância de Lucas, a decepção fria dos Oliveira. Não havia mais nada para mim ali.
Sem dizer mais uma palavra, juntei os cacos da moldura e a foto rasgada, colocando-os cuidadosamente em cima de uma das caixas. Peguei minhas coisas e me virei para a porta.
O som da risada de Sofia ecoou atrás de mim quando eu saí. Foi a última coisa que ouvi daquela casa.
Ao fechar a porta, senti como se um capítulo inteiro da minha vida estivesse sendo encerrado à força. A dor era imensa, mas misturada a ela, havia um pequeno, minúsculo, grão de alívio. Eu estava livre. Quebrado, humilhado, mas livre.