Eu respirei fundo, tentando manter a calma, mas era impossível, o meu corpo todo tremia.
Peguei o celular do bolso da calça.
Nenhuma mensagem dela.
Nenhuma ligação.
Apenas o silêncio.
Eu sabia o motivo, não precisava de confirmação, o motivo era sempre o mesmo, sempre Gabriel.
Saí da igreja sem dizer uma palavra, ignorando os chamados dos meus pais, eu só queria fugir daquele lugar, fugir dos olhares de pena.
Entrei no meu carro e dirigi sem rumo, minhas mãos apertando o volante com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
Finalmente, parei em frente à casa dela, a mesma casa onde eu a deixei algumas horas atrás, ela estava linda no vestido de noiva.
A porta estava destrancada, como sempre.
Entrei e a encontrei na sala, ainda vestida de noiva, mas o vestido agora estava amassado, e ela segurava o celular com força, o rosto manchado de lágrimas.
"Sofia, o que aconteceu?" perguntei, mesmo já sabendo a resposta.
Ela levantou a cabeça, e seus olhos me fuzilaram.
"O que aconteceu? O Gabriel passou mal, Ricardo! Ele teve uma crise, ele precisava de mim!"
A voz dela era alta, cheia de acusação, como se a culpa fosse minha.
"De novo, Sofia? No dia do nosso casamento? Na hora do nosso casamento?"
"Você não entende! Ele não tem ninguém! A doença dele é crônica, ele podia ter morrido! Você só pensa em você, no seu maldito casamento!"
Cada palavra dela era um soco no meu estômago.
Eu me sentia um idiota, um completo idiota por ter acreditado que desta vez seria diferente.
"E nós? E o nosso compromisso? Sete anos, Sofia! Onze tentativas de casamento! Você acha isso normal?"
"Você está sendo egoísta! Comparando uma festa com a vida de uma pessoa?" ela gritou, jogando o celular no sofá.
Eu não consegui mais segurar, a raiva e a dor explodiram.
"Egoísta? Eu sou o egoísta? Eu que te esperei no altar onze vezes? Eu que sempre te coloquei em primeiro lugar, que recusei propostas de trabalho incríveis pra ficar perto de você, pra te apoiar?"
Saí da casa dela batendo a porta, o som ecoando na rua silenciosa.
Voltei para o carro e desabei, as lágrimas que eu segurei na igreja agora corriam livremente pelo meu rosto, eu soquei o volante, uma, duas, três vezes, até minha mão doer.
Lembrei do dia em que a conheci.
Eu tinha sofrido um acidente de carro, nada grave, mas machuquei a perna e precisei de fisioterapia, eu estava me sentindo vulnerável, sozinho.
Sofia era a recepcionista da clínica.
Ela sorriu para mim, um sorriso que iluminou meu dia cinzento, ela me trouxe um copo de água, conversou comigo, me fez sentir menos invisível.
Naquele momento, ela se tornou meu refúgio, a minha luz no fim do túnel.
Agora, essa mesma luz me cegava com a dor da traição.
Peguei meu celular, minhas mãos ainda tremendo, e abri o Instagram.
O primeiro post no meu feed era uma foto, uma foto que Gabriel tinha acabado de postar.
Ele estava no hospital, deitado na cama, com um sorriso fraco no rosto.
Sofia estava ao lado dele, segurando sua mão, a cabeça dela descansava no ombro dele e o vestido de noiva ainda estava em seu corpo, um contraste bizarro e doloroso.
A legenda dizia: "Obrigado por estar sempre aqui por mim, minha anja. @SofiaAlves".
Meu mundo desabou de vez.
A dor era física, uma pontada aguda no peito que me deixou sem ar.
Dirigi até o bar mais próximo, um lugar escuro e sujo que combinava com o meu estado de espírito.
Pedi uma dose de uísque, depois outra, e mais outra.
Eu bebi para esquecer, para anestesiar a dor, para silenciar as vozes na minha cabeça.
Tirei uma foto do meu copo, a aliança de casamento que eu nunca usaria ao lado dele, e postei nos meus stories.
Sem legenda.
Apenas a imagem crua da minha derrota.
Meu celular vibrou quase que instantaneamente.
Era uma mensagem de Sofia.
"Você pode apagar isso, por favor? As pessoas estão me ligando, perguntando o que aconteceu. Você está tentando me humilhar?"
A mensagem dela não tinha um pingo de preocupação comigo.
Apenas raiva, acusação.
Como se eu fosse o vilão da história.
Respondi com uma única palavra.
"Não."
E desliguei o celular, pedindo mais uma rodada para o barman.
Aquela noite, eu decidi que seria a última.
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