"Aconteceu de novo. Minha mãe não está bem, a saúde dela piorou de repente."
Sofia sentiu uma pontada de decepção, mas a preocupação logo tomou conta.
"O que ela tem? É grave? Eu posso ir aí com você, a gente adia a viagem."
Do outro lado da linha, um silêncio breve.
"Não precisa, meu bem. É só... você sabe como ela é. Fica nervosa, a pressão sobe. Eu vou passar o dia com ela, garantir que ela tome os remédios. Não quero estragar suas férias por causa disso. Fica em casa, descansa. Eu te mantenho informada."
Ele desligou antes que ela pudesse insistir. Sofia ficou parada no meio da sala, o telefone ainda na mão. No início, a compaixão por Pedro e a preocupação com a sogra eram genuínas. Ela conhecia a história: uma mãe com saúde frágil, que exigia cuidados constantes. Pedro sempre usava isso para justificar ausências, para explicar mudanças de plano. E Sofia, por amor, sempre compreendeu.
Mas algo, desta vez, soou diferente. Uma nota falsa na melodia da desculpa de sempre. Era a terceira vez no último semestre que a "crise de saúde" da mãe dele coincidia perfeitamente com um compromisso importante dos dois. O aniversário dela, um jantar com os pais dela, e agora, as férias que planejavam há meses.
Uma desconfiança fria começou a se instalar em seu peito. Era um sentimento incômodo, que ela tentou afastar. Era Pedro, o homem com quem ia se casar. Ela não podia duvidar dele assim. Tentando se convencer de que estava sendo paranoica, Sofia decidiu fazer algo para se distrair. Ligou o notebook, pensando em pesquisar um filme ou talvez pedir comida.
O feed de notícias de uma rede social estava aberto. E foi então que a suspeita se transformou em uma certeza gelada.
Uma foto, postada há menos de quinze minutos. Era o perfil de Clara, a filha da empregada de sua casa, Dona Alice. A imagem mostrava uma festa animada, com balões e um bolo decorado. No centro da foto, Clara sorria, radiante, com os braços em volta do pescoço de um homem.
E esse homem era Pedro.
Ele a abraçava pela cintura, o rosto dele próximo ao dela, um sorriso satisfeito estampado nos lábios. Não era o sorriso de um homem preocupado com a mãe doente. Era o sorriso de alguém que estava exatamente onde queria estar. A legenda da foto era curta e devastadora: "Melhor aniversário surpresa de todos! Obrigada, meu amor ❤️" .
O ar pareceu ser sugado dos pulmões de Sofia. Ela aproximou a imagem, o cursor do mouse tremendo sob seus dedos. As roupas, o rosto, o relógio no pulso dele. Não havia dúvida. Era Pedro. E a festa não era em um lugar qualquer. Pela parede de tijolos aparentes e pelo quadro que ela mesma escolhera, Sofia reconheceu o cenário.
A festa estava acontecendo na casa dela. Na casa que ela tinha comprado e onde eles viviam juntos.
A mentira sobre a mãe doente era apenas a ponta de um iceberg de traição. A náusea subiu pela sua garganta. Mas a humilhação foi rapidamente sobrepujada por uma onda de fúria. A passividade deu lugar a uma determinação gélida.
Ela precisava de uma confirmação final, uma prova irrefutável para calar a pequena voz em sua cabeça que ainda sussurrava que poderia haver um mal-entendido. Com os dedos rígidos, ela abriu uma nova aba no navegador e digitou o nome completo da mãe de Pedro no buscador, junto com a palavra "obituário" .
O resultado apareceu instantaneamente. Uma nota de falecimento de um jornal local, datada de três meses atrás. A foto de uma senhora sorridente, a mesma que Pedro mantinha na estante da sala, olhava para ela da tela. A causa da morte: complicações de uma doença crônica.
Ele não estava cuidando da mãe doente. Ele estava mentindo sobre a morte dela. Usando a memória da própria mãe como um escudo para seus encontros secretos.
A dor da traição era aguda, mas a clareza que veio com ela era afiada como uma lâmina. Sofia não era uma vítima passiva. Ela não iria chorar em um canto escuro. Ela se levantou, a decisão tomada. Pegou a chave do carro, a bolsa e saiu do apartamento que dividia com ele, deixando as malas prontas para trás. Ela não iria para o aeroporto.
Ela iria para casa. Para a casa dela. E iria acabar com aquela festa.
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