A equipe da perícia chegou, transformando nosso apartamento num palco de investigação. Homens e mulheres de macacão branco se moviam com uma eficiência fria, fotografando, coletando amostras, medindo. Eu fui levada para a cozinha, sentada numa cadeira dura, com um policial de guarda na porta. O Inspetor Ricardo ficou comigo.
"A médica legista deu uma olhada preliminar", ele disse, a voz baixa e sem emoção. "Envenenamento. Todas as quatro. Um veneno rápido, pelo que parece."
Envenenamento. A palavra soou estranha, vinda de um filme, não da minha vida.
"Mas... como? O que comemos?", perguntei, a mente girando.
Ricardo me olhou fixamente.
"É isso que estamos tentando descobrir. O estranho, Sofia, é que você não tem nada. Nenhuma delas teve tempo de pedir ajuda, exceto talvez por um grito abafado. Mas você dormiu a noite inteira. Não ouviu nada, não sentiu nada. Como isso é possível?"
A pergunta dele não era uma pergunta. Era uma acusação.
"Eu já disse, eu tomei um remédio e apaguei", insisti, sentindo o desespero crescer.
Um dos peritos apareceu na porta da cozinha.
"Inspetor, a porta principal estava trancada por dentro. Duas chaves. As janelas também, todas fechadas. Ninguém entrou ou saiu."
O apartamento se tornou uma armadilha, uma caixa fechada. Ricardo agradeceu ao perito e se virou para mim novamente. O ar ficou mais pesado. Se ninguém entrou, a resposta estava ali dentro. E só havia eu.
"Uma das teorias", ele continuou, como se estivesse pensando alto, "é um pacto de suicídio. Às vezes acontece. Mas não bate. Não há cartas de despedida, nada. E pelo tipo de veneno, não parece algo que se escolhe para uma morte tranquila."
Suicídio. A ideia era absurda. Ana, Bruna, Carla e Diana amavam a vida, ou pelo menos, amavam a imagem que projetavam. Elas tinham planos, futuros brilhantes no mundo da moda. Elas não desistiriam de tudo.
"Elas não fariam isso", eu disse, com mais certeza do que sentia sobre qualquer outra coisa.
"Você tinha algum problema com elas, Sofia?", Ricardo perguntou, mudando de tática. "Qualquer briga, qualquer discussão recente?"
Minha mente voltou para as pequenas crueldades diárias. O jeito como elas "esqueciam" de me chamar para jantar fora. As piadas sobre minhas roupas, compradas em brechós. A forma como elas paravam de conversar e olhavam para mim quando eu entrava num cômodo. Não era uma briga. Era uma guerra fria, silenciosa, que eu sempre perdia.
"Não", respondi, a palavra seca na minha boca. "Nós nos dávamos bem."
Por dentro, a raiva que eu sempre engoli borbulhava. Raiva por ter que mentir, por ter que proteger a imagem delas mesmo depois de mortas. Raiva por elas terem me transformado em alguém que se desculpava por existir.
Nesse momento, outro policial entrou.
"Inspetor, checamos as câmeras do prédio. Ninguém entrou ou saiu do apartamento desde que elas chegaram com a senhorita Sofia ontem à noite. A câmera cobre o corredor inteiro. Impossível alguém passar sem ser visto."
Cada nova informação era um prego no meu caixão. O círculo estava se fechando, e eu estava no centro. O apartamento estava trancado. Ninguém entrou. O veneno estava na comida ou na bebida que elas consumiram depois de chegar. Eu era a única que não tinha sido envenenada.
O Inspetor Ricardo se inclinou para frente, seus olhos fixos nos meus, a falsa gentileza desaparecendo.
"Então, vamos voltar à minha primeira pergunta, Sofia. Mas desta vez, eu quero a verdade."
Ele fez uma pausa, deixando o peso das palavras assentar.
"Por que você é a única viva?"
A pergunta pairou no ar, carregada de suspeita. Eu não tinha uma resposta. O medo que eu sentia antes se transformou em terror puro. O terror de não saber. O terror de que, talvez, de alguma forma que eu não conseguia entender, eu fosse a resposta. Minhas mãos começaram a suar. O rosto do inspetor parecia se distorcer, sua voz ecoando na minha cabeça. Eu era a única sobrevivente. E isso, para ele, me tornava a única suspeita.