"Parece que sim", ele respondeu, sem nenhum traço de simpatia. Para ele, era apenas mais uma peça do quebra-cabeça, um possível motivo. Para mim, era a arquitetura da minha solidão.
Ele me mostrou mais. Eram dezenas, talvez centenas de mensagens. Fotos minhas distraída na cozinha, com comentários sobre meu cabelo "sem vida". Prints de posts das minhas redes sociais, onde eu compartilhava meus desenhos, com emojis de vômito como reação.
Uma lembrança específica veio à tona, nítida e dolorosa. Há alguns meses, eu tinha ficado animada com um concurso de arte. Passei semanas trabalhando numa tela. Quando contei a elas, Bruna pegou um dos meus rascunhos e disse: "Ah, que fofo. Você desenha essas coisas tristes. Combina com você." E todas riram. Na época, eu sorri sem graça e mudei de assunto. Agora, lendo as mensagens delas daquela mesma noite, eu via a verdade.
Bruna: "A esquisita acha que vai ser a próxima Frida Kahlo. Alguém avisa?"
Ana: "Deixa ela sonhar. É a única coisa que ela tem."
A raiva que eu senti foi uma onda quente e sufocante. Uma raiva que eu nem sabia que existia dentro de mim, enterrada sob camadas de conformismo e desejo de ser aceita.
"Você estava com raiva delas, Sofia?", a voz de Ricardo cortou minhas memórias. "É compreensível. Ninguém gosta de ser tratado assim."
Eu olhei para minhas mãos na mesa de metal. Elas estavam cerradas em punhos.
"Sim", admiti. "Eu estava com raiva. Eu estava cansada."
"Cansada o suficiente para querer que elas desaparecessem?", ele perguntou, a pergunta flutuando perigosamente no ar. "Você já pensou nisso? Em como seria a vida sem elas? Sem as piadas, sem os olhares?"
A pergunta me atingiu. Eu já tinha pensado nisso? Talvez. Em momentos de profunda tristeza, deitado na minha cama ouvindo as risadas delas na sala, eu desejei silêncio. Um silêncio permanente. Mas era um desejo passivo, a fantasia de uma pessoa exausta, não o plano de uma assassina.
"Eu só queria que elas parassem", eu disse, a voz cheia de uma exaustão que vinha de anos, não de uma única noite. "Eu não queria... isso."
Não era um ódio ativo, flamejante. Era uma fadiga emocional profunda. Um desgaste constante na minha alma, como água pingando numa pedra, dia após dia. Era o cansaço de tentar, de sorrir quando queria chorar, de fingir que as palavras delas não me afetavam.
Ricardo pegou uma foto da pasta de evidências. Era da noite anterior, no restaurante. Ana, Bruna, Carla e Diana estavam abraçadas, sorrindo para a câmera do celular de alguém. Um sorriso largo, cheio de dentes brancos e felicidade encenada. E ali, no canto da foto, quase cortada, estava eu. Minha figura estava um pouco borrada, meu rosto virado para o lado, olhando para algo fora do quadro. Eu estava a centímetros delas, mas parecia estar em outro universo. A imagem era uma representação perfeita da minha existência naquele apartamento. Presente, mas invisível. Perto, mas completamente sozinha.
A tristeza que me atingiu ao ver a foto foi avassaladora. Era a prova visual da minha solidão.
O inspetor olhou da foto para mim, seu rosto impassível.
"Sabe, Sofia, às vezes o isolamento pode matar uma pessoa por dentro muito antes de o corpo parar de funcionar."
Ele fez uma pausa, seus olhos me perfurando.
"Olhando para essa foto, para essas mensagens, eu me pergunto... talvez você já estivesse morta para elas. E talvez, de alguma forma, você já fosse um cadáver ambulante."
A expressão dele era fria, clínica. Suas palavras não eram para me confortar. Eram para me desestabilizar, para quebrar a última barreira da minha sanidade. E estavam funcionando. A ideia de ser um "cadáver ambulante", uma pessoa psicologicamente morta pela indiferença dos outros, era um horror existencial que me deixou sem ar. Quem era eu, se não a pessoa que elas viam? Se essa pessoa já estava morta, quem... ou o quê... estava sentado naquela cadeira de interrogatório?