Libertação Pelo Adeus
img img Libertação Pelo Adeus img Capítulo 3
4
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
img
  /  1
img

Capítulo 3

Eu segui os dois à distância, uma sombra silenciosa no meio da multidão do shopping.

Meu coração batia num ritmo estranho, calmo e pesado.

Era como se eu estivesse assistindo a um filme, e eu já soubesse o final trágico.

Eles entraram em uma cafeteria chique.

Ricardo puxou a cadeira para Isabella, um cavalheiro perfeito.

Eles pediram cafés e doces caros, rindo e conversando como se nada no mundo pudesse abalá-los.

Eu me sentei em uma mesa no canto, de costas para eles, mas perto o suficiente para ouvir.

Um garçom desajeitado passou por mim e tropeçou, derramando uma xícara de café quente na minha mão.

A dor foi aguda, queimando minha pele.

Eu grunhi baixo, mas ninguém pareceu notar.

Ou melhor, a atenção de Isabella foi para outro lugar.

"Oh, querido, você se sujou!", ouvi a voz dela, cheia de preocupação.

Por um segundo insano, pensei que ela estava falando comigo.

Um eco doloroso do passado, de quando ela ainda se importava.

Mas não.

"Deixa eu limpar", disse ela.

Eu olhei por cima do ombro.

Ela estava limpando uma pequena mancha de café na camisa de Ricardo, seu rosto a poucos centímetros do dele, o olhar cheio de adoração.

Ela nem sequer olhou na minha direção.

Ela não viu o homem que teve a mão queimada a poucos metros dela.

O homem que era seu marido.

Eu era invisível.

Na parede da cafeteria, uma grande tela de TV exibia notícias de negócios.

O rosto de Ricardo apareceu.

A legenda dizia: "Ricardo Vargas, CEO da Vargas Corp, fala sobre a recuperação milagrosa de sua mãe".

A voz dele, vinda das caixas de som e da mesa ao lado, encheu o ambiente.

"Sim, minha mãe está muito melhor", disse o Ricardo real para Isabella, com um sorriso orgulhoso. "Os médicos disseram que foi um milagre. Ela precisava de um tipo sanguíneo muito raro para uma transfusão, e achamos um doador compatível no último minuto."

Isabella colocou a mão sobre a dele.

"Você é um filho maravilhoso. Tão dedicado."

Ricardo deu de ombros, fingindo modéstia.

"Eu faria qualquer coisa por ela. Foi uma sorte incrível. Achar aquele sangue... foi como ganhar na loteria."

Ele se inclinou para mais perto, baixando a voz como se contasse um segredo.

"E o mais incrível é a origem. Um garoto de sete anos. Saudável, forte. O sangue dele era perfeito. Dizem que ele era um lutador ou algo assim. Um menino corajoso."

Um garoto de sete anos.

Um lutador.

Sangue raro.

As peças se encaixaram na minha cabeça com um clique alto e terrível.

Não.

Não podia ser.

Era uma coincidência. Uma coincidência horrível.

Mas então Ricardo disse a frase que selou meu destino e destruiu o último resquício de sanidade que eu tinha.

"A melhor parte", ele sussurrou, rindo baixo, "é que conseguimos o sangue de graça. O garoto morreu durante uma briga estúpida. A família nem deve saber o valor do que ele tinha nas veias."

Morreu.

MORREU.

A palavra explodiu na minha mente.

O hospital... eles não me disseram que ele estava cego.

Eles disseram que os ferimentos eram graves.

Eles disseram que ele estava em estado crítico.

Eles me disseram para esperar.

Mas eu não esperei. Eu peguei o diamante e saí correndo.

Eu o deixei sozinho.

Meu filho.

Meu Pedro.

Uma onda de náusea subiu pela minha garganta.

O café, os doces, o cheiro de perfume caro no ar... tudo se tornou insuportável.

Eu me levantei, cambaleando, e corri para o banheiro.

Ajoelhei-me em frente ao vaso sanitário e vomitei.

Vomitei até meu estômago doer, até não haver mais nada para sair.

Mas a sensação de nojo não passava.

Era um nojo da minha própria alma.

Meu filho não estava cego.

Meu filho estava morto.

E o sangue dele, o sangue que eu e Isabella demos a ele, estava correndo nas veias da mãe do homem que a roubou de mim.

Eles não o mataram diretamente.

Mas eles criaram as circunstâncias.

A competição brutal. A necessidade desesperada por dinheiro.

Eles o levaram à morte.

E agora, estavam rindo e comemorando sobre o "sangue perfeito" que conseguiram.

Era tão absurdo. Tão doentio. Tão... irônico.

Eu me levantei, lavei o rosto com água fria, e me olhei no espelho.

O homem que me encarava de volta não era Miguel.

Era um fantasma. Um espectro faminto por vingança.

Voltei para a cafeteria.

Minha mente estava em branco. Havia apenas um pensamento, uma necessidade primal.

Fazer a dor parar.

E a fonte da dor estava sentada ali, sorrindo.

Ricardo.

Eu caminhei até a mesa deles.

Isabella me viu primeiro. Seus olhos se arregalaram em choque.

"Miguel? O que você está fazendo aqui?"

Mas eu não olhei para ela.

Meus olhos estavam fixos em Ricardo.

Ele me olhou de cima a baixo com um ar de superioridade.

"Então este é o marido", ele disse, com um sorriso de escárnio.

Eu não disse uma palavra.

Apenas agi.

Com toda a força que me restava, eu soquei seu rosto.

O som do meu punho batendo em sua mandíbula ecoou pela cafeteria silenciosa.

Ricardo caiu da cadeira, o sangue escorrendo de sua boca.

Um grito agudo de Isabella cortou o ar.

Um momento de satisfação pura, selvagem, percorreu meu corpo.

Não era o suficiente.

Nunca seria o suficiente.

Mas era um começo.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022