"Olha o que você fez! Seu animal! Saia daqui! Eu nunca mais quero ver você na minha vida!"
Eu a encarei, a marca de seus dedos queimando na minha bochecha.
Eu não disse nada.
Apenas dei as costas e saí da cafeteria.
Ninguém tentou me parar. Eles apenas olhavam, chocados.
Eu andei sem rumo pelas ruas, a dor no meu rosto misturada com a dor na minha alma.
Quando finalmente cheguei em casa, o apartamento estava escuro e frio.
A porta estava arrombada.
Meu coração afundou.
Entrei com cautela. A cena era de caos total.
Móveis revirados, papéis espalhados, tudo quebrado.
Dois homens grandes e mal-encarados estavam no meio da sala, esperando por mim.
Eram os agiotas. Os homens do chefe de polícia.
"Ora, ora, se não é o nosso amigo Miguel", disse um deles, com um sorriso cruel. "O chefe não gostou de você ter sumido com o diamante dele."
Eu estava exausto demais para ter medo.
"Eu não tenho mais nada", eu disse, minha voz um sussurro rouco.
O outro homem riu.
"Isso é o que vamos ver."
Eles começaram a vasculhar o que restava do meu apartamento, procurando por qualquer coisa de valor.
Um deles pegou a pequena caixa de madeira que estava sobre a lareira.
Meu corpo inteiro gelou.
"Não", eu sussurrei. "Não toque nisso."
Era a urna.
A urna com as cinzas de Pedro.
O homem me ignorou. Ele abriu a caixa, esperando encontrar joias ou dinheiro.
Quando viu apenas um pó cinza, seu rosto se contorceu de raiva.
"Que porcaria é essa?" ele gritou, e com um gesto de desprezo, jogou a urna no chão.
O som da madeira se quebrando.
As cinzas do meu filho se espalhando pelo chão sujo.
Um dos homens, sem perceber, pisou nelas.
O pó cinza se grudou na sola de sua bota imunda.
Naquele momento, o tempo parou.
O mundo inteiro se reduziu àquela imagem: a bota suja profanando os restos mortais do meu filho.
Um grito primal, desumano, escapou da minha garganta.
A dor, a raiva, a culpa, o luto... tudo explodiu em uma fúria cega.
Eu não era mais um homem. Eu era um animal ferido, encurralado.
Agarrei a primeira coisa que vi na minha mesa bagunçada.
Uma caneta de metal pesada, um presente antigo de Isabella.
O homem que pisou nas cinzas se virou para mim, surpreso com o meu grito.
Eu avancei.
Não houve pensamento. Apenas instinto.
Com um movimento rápido e brutal, eu cravei a ponta da caneta em seu pescoço.
Uma, duas, três vezes.
O sangue quente espirrou no meu rosto.
Ele me olhou com olhos arregalados de choque e dor, antes de cair no chão, se afogando em seu próprio sangue.
O outro agiota ficou paralisado por um segundo, chocado com a violência repentina.
Esse segundo foi tudo que eu precisei.
Eu peguei o pesado castiçal de ferro que estava no chão e o acertei na cabeça com toda a minha força.
Ele caiu como um saco de batatas, inconsciente.
O silêncio desceu sobre o apartamento.
Um silêncio quebrado apenas pelo som da minha respiração ofegante e pelo gotejar do sangue no chão.
Eu olhei para o que tinha feito.
O corpo no chão. O sangue nas minhas mãos.
Eu tinha matado um homem.
E eu não sentia nada.
Nenhum remorso. Nenhuma culpa.
Apenas um vazio gelado.
Com as mãos trêmulas, ajoelhei-me no chão.
Cuidadosamente, comecei a juntar as cinzas de Pedro, misturadas com a poeira e a sujeira.
Eu as coloquei de volta nos pedaços quebrados da urna.
Eu peguei o diamante "Olho de Tigre" do meu bolso.
Peguei meu passaporte.
E saí daquele apartamento para sempre.
Fui para o aeroporto.
Enquanto esperava o primeiro voo internacional, meu celular vibrou.
Era uma mensagem de Isabella.
"Miguel, eu sei que você está chateado. Mas Ricardo é um homem poderoso. Ele pode destruir você. Eu conversei com ele. Ele está disposto a te dar uma saída, um pouco de dinheiro para você sumir. É o melhor para todos nós."
Uma saída.
Um pouco de dinheiro.
A ironia era tão cruel que quase me fez rir.
Eu não respondi.
Em vez disso, abri o compartimento do celular, tirei o chip e o quebrei em dois.
Joguei os pedaços no lixo.
O avião decolou, me levando para longe daquela cidade, daquela vida, daquela dor.
Mas eu sabia que a vingança estava apenas começando.
Eu carregava as cinzas do meu filho e uma promessa silenciosa.
Isabella e Ricardo iriam pagar.
Eles iriam desejar nunca ter nascido.