img

O Don quer um herdeiro

•CCD•
img img

Capítulo 1 Prólogo

A chuva não parava.

Batia contra os vidros blindados da mansão com a fúria de quem quer lavar o sangue antes mesmo dele cair. O céu estava cinza, pesado, do tipo que parece ter feito um pacto com o inferno.

Lá dentro, o tempo tinha parado.

Vittorio Bellanti, Don da família mais temida da costa italiana, estava sozinho no coração da sua fortaleza - um casarão secular escondido entre vinhedos e muros altos, onde o silêncio era sempre obedecido.

Mas naquela noite, nem o silêncio se atreveu a permanecer.

Ele encarava o reflexo escuro da janela como se pudesse enxergar o próprio caixão. Não estava com medo. Medo era uma emoção que perdera aos quinze anos, quando afundou uma faca no pescoço do primeiro traidor. Naquela noite, sua mão não tremia. Mas havia uma coisa diferente ali: uma paz desconfortável.

A paz de quem já sabia que não sairia vivo.

Marco, seu braço direito, entrou sem pedir permissão. O rosto duro de sempre, mas os olhos carregavam o peso de quem já contou cadáveres demais.

- Don... cercaram o perímetro. Os do norte, os do sul. Todos. Vieram juntos.

- Claro que vieram - respondeu Vittorio, sem tirar os olhos da janela. - Os ratos sempre se juntam quando sentem cheiro de ossos expostos.

-

Na tela da sala de vigilância, as câmeras mostravam tudo: carros blindados, armas longas, homens com os rostos cobertos e símbolos de lealdade invertidos. Eram rostos que ele conhecia. Homens que ele havia alimentado, treinado, promovido.

Traição interna.

Essa era a única forma de derrubar um império como o dele.

-

Enquanto os passos se aproximavam do portão, ele caminhou até o armário escondido atrás do altar. Tirou de lá a pistola de prata herdada do pai, um revólver antigo de tambor largo, limpo e polido. Uma peça de museu. Uma ferramenta de execução.

No fundo da gaveta, encontrou a aliança. A mesma que usara para selar um contrato com a única mulher que nunca deveria ter tocado. A esposa.

Segurou o anel por um segundo. Lembrou do rosto dela. Do olhar de quem queria distância, mas ficou. Do jeito que ela dizia seu nome como se não temesse nada. Como se fosse apenas um homem, e não o monstro que todos pintavam.

Ela ainda estava viva.

E era por isso que ele precisava morrer direito.

-

O primeiro tiro quebrou o vitral da frente.

O segundo matou o criado mais antigo da casa.

Marco respondeu. Derrubou dois invasores. Caiu com o terceiro tiro no peito, afundando no tapete bordado com o brasão Bellanti.

Vittorio não gritou. Nem correu. Andava entre os corpos com a mesma elegância com que atravessava reuniões de acionistas. Um predador no fim da linha, ainda orgulhoso demais para se ajoelhar.

-

Até que ela apareceu.

Uma figura pequena, olhos escuros, mãos trêmulas segurando uma arma que mal sabia usar.

- Giulia... - sussurrou ele. - Você?

A irmã.

A traidora.

- Você destruiu tudo - disse ela, a voz falhando. - Nosso pai. Nosso nome. Nossa infância. Você matou cada pedaço do que sobrou da gente.

- Eu construí. Você só não soube carregar.

Ela atirou.

-

O impacto o fez cair de joelhos. Depois outro disparo. Mais um. E outro.

Ele tossiu sangue.

Mas não caiu.

- Sabe o que é pior do que a morte, Giulia? - ele murmurou, encarando a irmã. - É morrer sabendo que deixei uma mulher no mundo... que pode me vingar melhor do que qualquer homem dessa casa.

E então sorriu.

-

No exato momento em que o Don sangrou pela última vez, as luzes da mansão piscaram.

As câmeras caíram. Os invasores pararam.

E o mundo... ficou em silêncio.

Vittorio Bellanti, o Don, caiu no chão de mármore com um último suspiro preso entre os dentes. Mas não levou seus segredos para o túmulo.

Ele os deixou todos para ela.

A esposa que não sabia com quem havia se casado.

A viúva do Don que queria um herdeiro.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022