Capítulo 5 O preço da primeira noite

A mesa de jantar tinha doze lugares.

E apenas dois estavam ocupados.

Isadora sentou-se na extremidade oposta de Vittorio, como se a distância física pudesse amenizar a tensão que se formava entre eles. O lustre acima lançava uma luz dourada que transformava a refeição em algo quase teatral. Pratos finos, talheres de prata, vinho tinto servido em silêncio.

Ele não a olhava.

Ela também não.

Mas a guerra estava servida.

- Esperava que chegasse atrasada - disse ele, mexendo na taça.

- E eu esperava uma recepção com flores, talvez um buquê de desculpas por me tratar como uma barriga de aluguel com pedigree.

Ele sorriu. De canto. Devagar.

- Gosto quando morde. Só cuidado para não engolir veneno por engano.

- Eu cresci engolindo. Agora aprendi a cuspir.

O vinho na taça dele tremulou, mas não se derramou. Gael, o mordomo, servia a comida como se fosse cego e surdo. Maria mantinha os olhos baixos. O silêncio da casa era mais cortante do que faca afiada.

O jantar seguiu sem palavras por alguns minutos. Apenas o som do garfo batendo no prato. Isadora, finalmente, largou os talheres.

- O que você quer, exatamente?

Vittorio levantou os olhos. Agora sim, olhava para ela. Não como homem. Como predador.

- Já disse. Um herdeiro. E silêncio.

- E o que ganha além disso? Status? Controle? Um novo bibelô de vitrine?

- Gosto de saber que mesmo o caos pode ser domado, se assinar no lugar certo.

- Então é isso? Me escolheu porque sou um caos domesticável?

- Te escolhi porque olhou nos meus olhos e não desviou. Porque mordeu antes de abaixar a cabeça. Porque precisa mais do que eu. E quem precisa... obedece.

Ela empurrou o prato. Levantou-se.

- Se acha que eu vou abaixar a cabeça...

- Acho que já abaixou. Assinou, lembra?

O silêncio foi sufocante. Ela encarou a parede, firme. Quando falou, sua voz saiu baixa.

- Eu assinei por alguém. E é por ele que vou ficar. Não por você.

Vittorio terminou o vinho. Levantou-se devagar. Contornou a mesa com passos precisos. Parou a um metro dela. O ar entre os dois parecia elétrico.

- Isso é um contrato. Mas também é uma convivência. E aqui, Isadora, as regras são minhas. Você vai dormir sozinha. Vai andar pelos corredores como uma sombra. E quando eu decidir que é hora de cumprir a cláusula da concepção, você será chamada.

- E se eu não quiser?

- Você quis quando assinou.

Ela o encarou.

Ele não piscava.

Por um segundo, o mundo inteiro desapareceu.

Então, Vittorio deu meia-volta e saiu da sala.

-

Mais tarde, deitada na cama que ainda não parecia dela, Isadora olhava para o teto.

Sabia que o jantar não foi só uma apresentação.

Foi um teste.

E talvez ela tenha passado... ou fracassado.

Uma notificação acendeu o celular novo deixado em sua cabeceira. Era uma mensagem curta, sem número identificado.

> "O herdeiro vem primeiro. Depois você pode desaparecer."

Ela não respondeu.

Não precisou.

Naquela casa, silêncio também era resposta.

Isadora não dormiu.

Virava de um lado para o outro na cama larga, com lençóis que cheiravam a sabão caro e vazio. O silêncio da mansão era um tipo de ruído diferente, como se cada parede estivesse escutando. Ela sentia os olhos dele mesmo quando ele não estava ali.

No segundo dia, tentou caminhar pelos corredores como alguém livre. Quase acreditou nisso. Mas percebeu que havia câmeras em todas as entradas. Cada passo parecia vigiado. Cada porta que abria parecia pesar o triplo.

Gael informava os horários das refeições com pontualidade militar. Maria evitava olhar em seus olhos. Havia outras empregadas, todas com a mesma expressão: sabiam mais do que diziam. E nenhuma parecia surpresa em vê-la ali.

Ela era mais uma.

Mais uma no império de Vittorio.

-

Na terceira noite, ela desceu até a biblioteca.

Era o único cômodo que cheirava a algo vivo. Livros. Madeira antiga. Uma lareira apagada. O lugar parecia pertencer a outra época.

Enquanto deslizava os dedos por uma coleção de clássicos, ouviu passos.

Não precisou se virar. Sentiu.

Vittorio.

Ele entrou sem falar. Tirou o paletó, afrouxou a gravata e se sentou numa poltrona de couro diante da lareira apagada. Acendeu um charuto.

- Quer um? - ele perguntou.

- Prefiro câncer grátis.

Ele riu, sem levantar os olhos.

- Vai continuar resistindo?

- Vou continuar sendo quem sou. Não sou sua funcionária. Nem sua boneca.

- Não. É só o nome na cláusula sete.

Silêncio.

Ela andou até o outro lado da sala e pegou um livro. Leu o título em voz alta.

- "O Estrangeiro", Camus.

- Adequado - disse ele. - Você parece sempre deslocada. Como se quisesse fugir no minuto seguinte.

Ela virou-se devagar.

- E você parece alguém que já fugiu de tudo. Inclusive de si.

Vittorio não respondeu. Apenas tragou devagar o charuto.

- Por que nunca sorri? - ela perguntou.

- Sorrir é perigoso.

- Para quem?

- Para quem tem coisas a esconder.

Ela se aproximou um passo.

- E o que você esconde, Vittorio?

Ele ergueu os olhos. A fumaça do charuto dançava no ar entre eles.

- Nada que você esteja pronta para saber.

Ela apertou o livro nas mãos.

- Um dia eu vou descobrir.

- E vai se arrepender.

-

No dia seguinte, ela acordou com a voz do pai no viva-voz do novo celular.

- Isa, o hospital ligou. Disseram que um plano cobriu tudo. Você fez isso?

Ela fechou os olhos, o nó subindo pela garganta.

- Só aceite, pai. Não me pergunte como.

- Eu não quero que se envolva com coisa errada.

- Tarde demais.

Ela desligou antes que ele pudesse perguntar mais.

-

Mais tarde, Vittorio a esperava no jardim.

Ela parou diante dele com o sol batendo de lado, o vestido leve que Maria havia deixado para ela balançando com o vento.

- Achei que você só aparecesse à noite - ela disse.

- Às vezes, é preciso ver à luz do dia aquilo que se controla no escuro.

Ela cruzou os braços.

- Vai continuar me evitando até decidir que é hora de me usar?

- Estou observando.

- Observando o quê?

- Se o seu orgulho resiste mais do que sua necessidade.

Ela se aproximou.

- E o seu? Resiste a quê?

Vittorio sorriu pela primeira vez. Pequeno. Frio.

- Ao que me destruiu uma vez. E não terá segunda chance.

Ela quis perguntar. Mas não era hora. Ainda não.

-

Naquela noite, ela ouviu passos no corredor.

Não estavam indo embora. Estavam parando diante da porta.

Ela se levantou. Segurou a respiração.

Nada aconteceu.

Mas do outro lado da madeira, alguém ficou por alguns segundos.

E então partiu.

Ela encostou a testa na porta, os olhos fechados.

Sabia que não era assombração.

Era ele.

Esperando o momento certo para abrir mais do que a porta.

                         

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