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A caneta parecia pesar mais que a própria vida.
Isadora encarava o papel sobre a mesa de mármore com as mãos geladas e o estômago embrulhado. Ao lado, o advogado da Bellanti Corp explicava cláusulas que ela mal ouvia. Sua mente repetia um único pensamento:
Estou vendendo minha alma. E sei exatamente o valor dela.
Vittorio não disse nada desde que ela chegou. Estava sentado, calmo, olhando para fora da janela como se estivesse esperando uma tempestade que sabia que viria.
Na frente dela, o contrato. Papel oficial, selos, cláusulas numeradas, linguagem seca.
Cláusula 1: O casamento terá validade mínima de 12 meses.
Cláusula 3: Ambas as partes se comprometem à convivência sob o mesmo teto.
Cláusula 5: Tentativas de concepção devem ocorrer conforme o cronograma médico privado.
Cláusula 8: O descumprimento por parte da contratada resultará em multa equivalente a 1 milhão de reais.
Cláusula 12: Após o nascimento do herdeiro, a guarda será compartilhada apenas mediante avaliação jurídica.
Cláusula 14: A contratada renuncia publicamente a qualquer direito hereditário sobre o patrimônio Bellanti.
Isa fechou os olhos por um segundo.
Ela sabia ler entre as linhas.
Estava se tornando a incubadora de um império. Uma mulher de aluguel com sobrenome temporário. Mas o que a prendia ali não era o dinheiro. Era o pai. O quarto abafado. A tosse arranhando a madrugada. A culpa.
Respirou fundo. Assinou.
O silêncio que veio depois foi absoluto.
O advogado recolheu os papéis sem comentar. Vittorio apenas assentiu com a cabeça, como quem fecha um negócio qualquer.
- A partir de amanhã, você se muda - ele disse, com a calma de um médico legista. - Enviarei um motorista.
- Não quer nem saber se eu tenho roupa?
- Já está tudo providenciado. Tamanho 38. Você calça 36?
Ela piscou, surpresa.
- Espiando a ficha completa, é?
- Eu não deixo pontas soltas.
Isadora levantou-se.
- E quando começa a... tentativa?
- Vamos nos conhecer primeiro.
- Isso aqui não é um relacionamento, Vittorio.
- Por isso mesmo. Prefiro fazer com estranhas do que com mentirosas.
Ela travou. Ele sabia? Estava testando?
- Menti sobre o quê?
- Ainda vamos descobrir.
-
Ao sair do escritório, Isadora sentia como se estivesse indo para uma prisão com paredes de ouro. O motorista a esperava com um carro preto de luxo. Dentro dele, uma pasta com documentos e um novo celular.
Contrato assinado.
Endereço novo.
Nova identidade.
Nova função.
A partir dali, ela era Isadora Bellanti.
-
A mansão onde viveria ficava nos arredores da cidade, cercada por árvores centenárias e seguranças armados. Um lugar tão silencioso que dava medo. Nenhum sinal de vida além dos funcionários que pareciam treinados para não fazer perguntas.
O quarto dela tinha varanda, closet e um banheiro maior que a sala onde o pai vivia.
No espelho, tentou se reconhecer.
Ainda era a mesma.
Mas com um prazo de validade.
-
À noite, Vittorio não apareceu. Ela jantou sozinha. No dia seguinte, também.
Ele a evitava como se quisesse que tudo ocorresse com a maior distância emocional possível. E ela fingia que isso não a irritava.
Até o terceiro dia.
Ela foi até o escritório da casa, bateu uma vez e entrou.
- Isso vai continuar assim? Eu andando pelos corredores como um fantasma?
Vittorio levantou os olhos do computador.
- Você assinou um contrato. Não um romance.
- E você assinou o que? Uma barriga ambulante?
- Assinei uma conveniência. E você é o preço.
Ela se aproximou da mesa.
- Que tipo de homem propõe um casamento assim?
- O tipo que não acredita em mulheres que amam por livre e espontânea vontade. O tipo que já viu amor virar veneno. O tipo que prefere lealdade comprada do que traição espontânea.
- E eu sou o quê? Um risco ou uma propriedade?
- Ainda não decidi.
-
Isadora saiu batendo a porta.
No fundo, já entendia.
Vittorio Bellanti não era apenas um CEO bilionário.
Era um homem que construía trincheiras em vez de lares.
E agora, ela estava no meio do campo de guerra.
A mansão Bellanti tinha tantos cômodos que Isadora se perdeu nos primeiros vinte minutos.
Salas com estantes de livros antigos. Corredores com tapetes persas que abafavam os passos. Lustres que não acendiam com interruptores, mas com sensores de presença. A casa era uma máquina, e ela era só mais uma peça encaixada ali, sem instruções de uso.
No segundo andar, encontrou o quarto de hóspedes onde a acomodaram. Sim, hóspedes. Nem isso ela era oficialmente ainda. A suíte era maior que qualquer lugar onde já morou na vida. Mas não havia um único porta-retrato, nem uma planta. Tudo era impecável. E morto.
Ao lado da cama, havia um bilhete.
> "Você terá liberdade para circular em todas as áreas comuns, exceto os escritórios e o quarto principal.
As refeições serão servidas nos horários estipulados.
A agenda médica será enviada nos próximos dias.
– Administração Bellanti"
Ela riu sozinha. "Administração Bellanti". Nem uma assinatura. Nem um nome. Nem uma pergunta sobre como ela estava.
Descendo para o jantar, encontrou-se com uma empregada, Maria, que a serviu com um sorriso tímido. A comida era refinada. Pratos de nomes franceses, porções pequenas, nada familiar. Quando Maria lhe ofereceu vinho, Isadora recusou.
- Prefiro água da torneira, se for mais barato - disse, seca.
Maria abaixou a cabeça. Não respondeu.
-
Mais tarde, vagou pelos corredores. Parou diante de uma porta entreaberta. Dentro, um homem mais velho arrumava papéis numa escrivaninha.
- Com licença... - ela disse.
Ele virou-se. Era o mordomo-chefe. Usava um colete cinza escuro, cabelo impecável, olhar analítico.
- Dona Isadora. Estávamos esperando que aparecesse. Sou Gael. Responsável pela casa.
- "Dona Isadora" parece exagerado, considerando que nem sei como acender as luzes.
Gael sorriu com os lábios, mas não com os olhos.
- A senhora vai aprender. Tudo aqui funciona com precisão. O senhor Vittorio preza por rotina.
- E o senhor Vittorio sempre some depois de prender uma mulher com contrato?
- O senhor Vittorio tem seus próprios métodos. Ele não é um homem de afetos. É de compromissos.
- E o que exatamente isso faz de mim?
- Um compromisso em carne viva.
Ela recuou meio passo. O modo como ele disse aquilo... sem ironia, sem pena, apenas com aquela verdade polida que ninguém quer ouvir.
- Ele é sempre assim? Frio?
- O senhor Vittorio... já nasceu morto. O mundo apenas esqueceu de enterrar.
-
Na madrugada, Isadora não dormiu.
Sentada na varanda do quarto, via o jardim perfeitamente alinhado, as árvores cortadas como esculturas vivas. Nada ali era natural. Nada escapava ao controle. E, pela primeira vez, ela percebeu que aquele homem que ela achava só um CEO obcecado por herdeiros... era mais do que isso.
Ele era um arquiteto da obediência.
E ela havia assinado para ser moldada.
Quando finalmente fechou os olhos, sonhou com um berço vazio no meio de uma sala escura. E com passos masculinos se aproximando pelas costas.
-
Na manhã seguinte, Maria entrou com o café da manhã. Isadora levantou-se com o cabelo desgrenhado e os olhos duros.
- O senhor Vittorio mandou dizer que jantará em casa hoje - disse a empregada. - E espera sua presença na mesa.
Isadora assentiu.
- Perfeito.