O Retorno da Estrela Brilhante
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Capítulo 2

No apartamento da Professora Carla, o calor do aquecedor e de uma xícara de chá quente começaram a descongelar meu corpo e minha alma. Ela me emprestou roupas secas e me ouviu com uma paciência infinita. Carla não era apenas minha professora, ela era a figura materna que eu nunca tive. Ela viu minha inteligência e meu potencial quando ninguém mais via. Foi ela quem me incentivou a aplicar para uma bolsa de estudos integral em uma universidade no exterior, um plano B que eu mantinha em segredo.

"Estrela, a universidade respondeu. Eles te ofereceram a bolsa integral. Passagem, moradia, tudo incluso. Você só precisa aceitar."

A notícia me atingiu como um raio de sol em meio à tempestade. Uma saída. Uma chance de recomeçar, longe de tudo e de todos.

"Eu aceito, professora. Eu aceito."

Nos dias seguintes, Carla me ajudou com tudo. Fomos ao consulado, organizamos a papelada do visto, compramos o que era necessário para a viagem. Eu me sentia viva, animada. Pela primeira vez, eu tinha um futuro que era só meu. Carla até me convenceu a ir a uma pequena festa de despedida que seus amigos estavam organizando para a filha, que também ia estudar fora.

"Você precisa se divertir um pouco, conhecer gente nova. Você merece, Estrela."

Eu hesitei, mas acabei concordando. Pela primeira vez em anos, eu ia fazer algo por mim, algo divertido.

Na noite da festa, eu estava terminando de me arrumar quando meu celular tocou. Era um número desconhecido. Atendi com cautela.

"Alô?"

"Estrela, sou eu, sua mãe."

A voz de Sofia soou estranhamente suave, quase doce. Um alarme soou na minha cabeça.

"O que você quer?"

"Filha, seu pai está muito arrependido. Nós estávamos errados. Ele passou mal, a pressão subiu. Ele não para de chamar por você. Por favor, volte para casa. Só por uma noite. Ele quer te pedir perdão antes de você ir embora."

A voz dela era tão convincente, cheia de uma falsa preocupação. Uma parte de mim, a pequena órfã que ainda vivia dentro de mim, queria acreditar. Queria o perdão, queria o encerramento. Mas a outra parte, a que foi jogada na chuva, sabia que era uma armadilha.

"Eu não sei..."

"Por favor, Estrela. Pela nossa família."

Família. Aquela palavra. Ela sabia exatamente onde me atingir. Contra meu melhor julgamento, eu cedi.

"Tudo bem. Eu vou."

Carla me avisou para não ir, mas eu disse a ela que precisava fazer aquilo, que precisava de um ponto final. Peguei um táxi e fui para a mansão.

Quando entrei, a casa estava silenciosa. Não havia sinal de Antônio ou Sofia. Apenas Lua, sentada no sofá, com um sorriso vitorioso no rosto.

"Olha só quem voltou. A cachorrinha voltou para os donos."

Antes que eu pudesse responder, ela se levantou e veio na minha direção. Ela estava segurando uma taça de vinho tinto.

"Você sabe, Estrela, eu odeio esse seu vestido. É muito simples, mas em você, fica... bom. E eu não gosto disso."

Com um movimento rápido, ela virou a taça, derramando todo o vinho tinto no meu vestido branco, o único vestido bonito que eu tinha, um presente da Professora Carla. O líquido vermelho manchou o tecido instantaneamente, como sangue.

"Oops. Que desastrada."

A raiva subiu pela minha garganta, quente e amarga. Mas antes que eu pudesse reagir, Antônio e Sofia apareceram no topo da escada.

"O que está acontecendo aqui?", gritou Antônio, descendo os degraus rapidamente.

Lua começou a chorar, um choro falso e teatral.

"Papai, foi a Estrela! Ela veio aqui, começou a gritar comigo, disse que eu tinha estragado a vida dela! Eu tentei acalmá-la, mas ela pegou minha taça e jogou em si mesma, só para me incriminar!"

Eu fiquei em choque. A mentira era tão descarada, tão absurda, que eu não conseguia nem formular uma resposta.

Meus pais adotivos nem sequer olharam para mim. Foram direto para Lua, abraçando-a, consolando-a.

"Calma, minha filha, calma. Nós estamos aqui", disse Sofia, lançando-me um olhar de puro ódio.

"Estrela, eu não acredito que você fez isso!", berrou Antônio. "Nós te chamamos aqui para fazer as pazes, e é assim que você age? Você é um monstro! Um monstro ingrato!"

Ele se aproximou de mim, o rosto vermelho de fúria.

"Você manchou o vestido, não foi? Você gosta de estragar as coisas! Então vamos ver!"

Ele agarrou a gola do meu vestido e a rasgou. O som do tecido se partindo ecoou pela sala silenciosa. Ele rasgou meu vestido, a única coisa bonita que eu tinha, bem na frente deles.

Eu fiquei ali, com o vestido rasgado e manchado, o corpo tremendo, mas por dentro, algo mudou. A dor se transformou em gelo. A tristeza se transformou em uma calma fria. Eu olhei para os três, para os seus rostos distorcidos pela raiva e pelo fingimento. E pela primeira vez, eu não senti nada. Nenhuma necessidade de aprovação, nenhum desejo de amor. Apenas um vazio profundo e libertador.

Eu não ia mais ser a vítima deles. Eu não ia mais chorar, não ia mais implorar. Eu ia sobreviver. E ia fazê-los se arrepender.

Lua continuava com seu show, soluçando nos braços de Sofia.

"Ela me odeia, mamãe! Ela sempre me odiou porque vocês me amam mais!"

"Nós sabemos, querida, nós sabemos", Sofia a consolava, enquanto me fuzilava com os olhos. "Não se preocupe, ela vai ter o que merece."

Antônio ainda estava na minha frente, ofegante de raiva.

"Você é uma decepção. Uma completa decepção."

Eu o encarei, os olhos secos. A pequena Estrela que ansiava pelo amor deles morreu naquela sala. Agora, só restava a mulher que eles criaram: fria, dura e inquebrável.

De repente, Sol desceu as escadas. Ele olhou para a cena, para o meu vestido rasgado, para o choro de Lua, e seu rosto não mostrou nenhuma surpresa. Ele apenas se aproximou de Lua e colocou um braço protetor ao redor dela, olhando para mim como se eu fosse lixo. A traição final. O garoto que um dia me protegeu agora era cúmplice da minha tortura.

Antônio agarrou meu braço novamente.

"Você vai para o seu quarto. E vai ficar lá até aprender a ter respeito!"

Ele me arrastou escada acima. Eu não resisti. Cada passo era um passo para mais longe deles, mesmo estando dentro da mesma casa. Ele me jogou no meu quarto, um cômodo pequeno e sem graça nos fundos da casa, e trancou a porta por fora. O som da chave girando na fechadura não era um som de aprisionamento. Era o som do começo do fim.

            
            

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