"Papai, mamãe, eu estive pensando... A Estrela vai viajar para o exterior sozinha. Uma moça jovem, em um país estranho... Vocês sabem como as coisas são. Eu ouvi dizer que muitas garotas acabam se envolvendo com coisas erradas para se sustentar."
Ela fez uma pausa dramática, olhando para mim com falsa piedade.
"Eu só estou preocupada com a reputação da nossa família."
Entendi imediatamente o que ela estava fazendo. Ela não estava apenas me atacando, estava envenenando a mente deles, plantando sementes de dúvida sobre minha moralidade.
Sofia comprou a história na hora. Seu rosto se contorceu em uma máscara de desdém.
"Ela tem razão, Antônio. Como podemos deixá-la ir assim? O que as pessoas vão pensar de nós se ela aparecer grávida ou viciada em drogas em seis meses?"
"Você está saindo com alguém, Estrela?", perguntou Antônio, a voz dura como pedra. "Você está se envolvendo com homens por dinheiro? É por isso que você queria ir embora? Para viver uma vida promíscua longe dos nossos olhos?"
A acusação era tão vil, tão infundada, que por um momento perdi o fôlego. Eles realmente pensavam o pior de mim. Eles queriam pensar o pior de mim, porque isso justificava a forma como me tratavam.
Uma lembrança me veio à mente. A lembrança de quando eu tinha dezesseis anos. Eu tinha ganhado uma competição nacional de matemática e o prêmio era uma vaga em um acampamento de verão para jovens talentos na Europa, tudo pago. Era o meu sonho. Mas na véspera da viagem, Lua teve uma crise de asma. Sofia veio até mim, chorando.
"Estrela, a Lua precisa de você. Eu não posso cuidar dela sozinha. Por favor, não vá. A família precisa estar unida."
E eu, a tola de sempre, desisti. Fiquei em casa para cuidar de Lua, que, milagrosamente, melhorou no dia seguinte e passou o verão inteiro em festas na piscina com os amigos. Eu sacrifiquei meu sonho por eles, por uma mentira. E agora, eles me acusavam de ser uma mulher sem moral.
A ironia era tão cruel que eu tive que rir. Uma risada seca e sem alegria.
"Vocês estão me acusando de quê? De ser uma prostituta?"
Minha calma pareceu enfurecê-los ainda mais.
"Não use essa linguagem nesta casa!", gritou Sofia. "Olhe para você! Tão desafiadora! É óbvio que você aprendeu esses maus hábitos em algum lugar!"
Ela se aproximou de mim, os olhos fixos no meu cabelo comprido.
"Esse seu cabelo... É muito chamativo. Atrai o tipo errado de atenção. Precisamos dar um jeito nisso."
Ela fez um sinal para Lua, que saiu do quarto e voltou segundos depois com uma grande tesoura de jardinagem. O metal frio brilhou sob a luz fraca do quarto. Meu coração gelou. Eles não fariam isso.
"Vocês enlouqueceram?", eu disse, me afastando, as costas batendo contra a parede fria.
"É para o seu bem, Estrela", disse Sofia, com uma calma assustadora. "Vamos te dar uma aparência mais... decente. Para que você não envergonhe o nome da nossa família."
Lua se aproximou com a tesoura, um sorriso cruel brincando em seus lábios. Ela ia me humilhar. Ia me marcar.
Nesse momento, algo dentro de mim se rompeu. A calma fria se transformou em uma fúria incandescente. Todo o abuso, toda a humilhação, todos os anos de dor reprimida explodiram.
Quando Lua levantou a tesoura para cortar a primeira mecha do meu cabelo, eu agi. Com um grito que veio do fundo da minha alma, eu a empurrei com toda a minha força. Ela não esperava por isso e caiu para trás, batendo com força no chão e largando a tesoura.
Sofia gritou e correu para ajudar a filha. Antônio veio para cima de mim, o rosto uma máscara de fúria.
"Sua selvagem! Como ousa tocar na sua irmã?"
Ele levantou a mão para me bater, mas eu fui mais rápida. Segurei seu pulso com uma força que eu não sabia que tinha. Ele me olhou, chocado.
"Não encoste mais um dedo em mim", eu disse, a voz baixa e perigosa. "Nunca mais."
Eu olhei para os três, um por um. Para Lua, choramingando no chão. Para Sofia, com o rosto pálido de choque. E para Antônio, com o braço ainda preso na minha mão.
"Vocês querem saber a verdade? A verdade é que vocês são os monstros. Vocês me pegaram de um orfanato e me transformaram em sua empregada, em seu saco de pancadas. Vocês me usaram para se sentirem superiores."
Eu soltei o braço de Antônio com um empurrão.
"Vocês se preocupam com a 'reputação da família'? Que piada. A reputação de vocês já está na lama. Vocês só não sabem disso ainda."
Eu me virei para Lua, que me olhava com uma mistura de medo e ódio.
"E você", eu cuspi as palavras. "Você é a mais patética de todos. Tão insegura, tão medíocre, que precisa destruir os outros para se sentir um pouco melhor. Você nunca vai ser feliz, Lua. Porque você é podre por dentro."
Pela primeira vez, eu vi medo nos olhos deles. Eles não estavam acostumados com essa Estrela. Eles estavam acostumados com a garota quieta e submissa que engolia tudo em silêncio. Aquela garota estava morta.
"Por que vocês me odeiam tanto?", eu perguntei, a voz finalmente quebrando, não de tristeza, mas de uma confusão genuína. "O que eu fiz para merecer isso? Por que me adotaram se era para me tratar assim? Só porque eu sou órfã? Porque eu não tenho ninguém para me defender?"
O silêncio na sala era pesado. Eles não tinham resposta. Porque a verdade era feia demais para ser admitida. Eles não me odiavam por algo que eu fiz. Eles me odiavam por aquilo que eu era: um lembrete constante de sua própria falta de compaixão, de sua própria maldade. E agora, o lembrete estava revidando.