Capítulo 3

Joana se ajoelhou no chão frio, os dedos roçando os cacos afiados da bailarina de porcelana. Cada fragmento era uma lembrança, uma promessa quebrada. Ela ignorou os olhares de pena, de curiosidade e de desprezo ao seu redor. Em sua mente, só havia a cena. Ela não era mais Joana, a atriz humilhada, ela era uma mulher que havia perdido tudo.

Ela pegou o maior pedaço do corpo da bailarina, o torso sem cabeça e sem braços. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas não eram de autopiedade, eram lágrimas da personagem. Ela sussurrou palavras de uma canção de ninar que sua mãe cantava, uma melodia triste e fragmentada, assim como os cacos em suas mãos. Sua voz, baixa e trêmula, encheu o silêncio da sala. Ela encenou uma despedida, um adeus a um sonho quebrado. A dor era tão real, tão palpável, que todos na sala sentiram. Até mesmo Manuela parou de sorrir, o rosto pálido.

Thiago a observava, o rosto uma máscara impenetrável, mas Joana pôde ver uma contração em sua mandíbula. Sua performance o estava atingindo. Ela terminou a cena caindo em um choro silencioso, o corpo curvado sobre os restos de seu passado.

Um silêncio pesado se instalou, quebrado apenas pelo som de aplausos. Eram do Sr. Almeida. "Brilhante", ele disse, os olhos brilhando de admiração. "Absolutamente brilhante. O papel de coadjuvante em 'Luar', a amiga traída da protagonista, é seu."

Joana levantou a cabeça, surpresa. Ela não esperava por isso. Ela tinha vindo apenas para cumprir uma formalidade antes de partir. Manuela a encarou, incrédula e furiosa. Thiago parecia igualmente chocado, uma expressão de descontentamento passando rapidamente por seu rosto. Ele não queria que ela estivesse no filme, nem mesmo em um papel menor. A presença dela era uma complicação em seus planos para Manuela.

Mais tarde, na coletiva de imprensa para anunciar o elenco, Joana se viu novamente no centro das atenções, mas pelos motivos errados. Um repórter, ávido por um escândalo, levantou a mão.

"Joana, com o recente incidente... você não acha que sua imagem está muito danificada para um filme de tão grande porte? Como o público deve reagir ao ver uma atriz em uma situação tão... comprometedora?"

A pergunta era uma bofetada. Joana sentiu o rosto queimar. Antes que ela pudesse responder, Thiago, que estava no palco como produtor, tomou o microfone. Joana pensou, por um segundo tolo, que ele a defenderia.

Mas ele se virou para Manuela, que havia conseguido o papel principal, como ele planejara. "A estrela do nosso filme é a Manuela", disse ele, sua voz ressoando pelo salão. "Ela é o futuro desta produção e tem todo o nosso apoio. Estamos focados em seu talento e em fazer de 'Luar' um sucesso." Ele não mencionou Joana, não a defendeu. Ele a ignorou completamente, como se ela não estivesse ali. A humilhação foi pública e brutal.

Joana sentiu o olhar de todos sobre ela. Foi nesse momento que ela tomou uma decisão. Quando outro repórter perguntou sobre seu relacionamento com Thiago, seu chefe e namorado, ela pegou o microfone.

"O Sr. Thiago e eu temos apenas uma relação profissional", disse ela, a voz clara e firme, cortando o ar. "Ele é meu chefe. Nada mais."

Um murmúrio percorreu a sala. Joana olhou diretamente para Thiago. A surpresa em seu rosto era genuína. Ele não esperava por isso. Ele a via como sua propriedade, uma mulher quebrada que ele podia controlar. A ideia de que ela pudesse rejeitá-lo publicamente era inconcebível. Por um breve momento, ela viu um lampejo de confusão, talvez até de perda, em seus olhos antes que a máscara de frieza voltasse.

A coletiva continuou, e Joana observou Thiago e Manuela. Ele estava claramente obcecado por ela. Quando um ator se aproximou para parabenizar Manuela, Thiago imediatamente se interpôs, o corpo tenso, a mão possessivamente no ombro dela. Era patético. Ele, que a havia traído tão cruelmente, agora mostrava um ciúme tão transparente por sua "substituta".

Mais tarde, enquanto saíam, Joana os viu no corredor. Eles estavam sussurrando, e então Thiago inclinou a cabeça e beijou Manuela suavemente nos lábios. A cena, que deveria tê-la destruído, apenas a encheu de um nojo frio. A última brasa de amor que ela sentia por ele se extinguiu para sempre.

Naquela noite, Thiago foi ao seu apartamento.

"Joana, o que foi aquilo na coletiva de imprensa?", ele perguntou, a voz controlada. "Por que você disse aquilo sobre nós?"

"Eu disse a verdade", ela respondeu, sem olhá-lo.

Ele suspirou, um som de falsa paciência. "Olha, eu sei que as coisas têm sido difíceis. Mas você não precisa se preocupar com a carreira. Eu vou cuidar de você. Talvez seja melhor você tirar um tempo. Desista desse papel em 'Luar'. Eu te dou o dinheiro que você precisaria, o dobro do cachê. Você pode viajar, descansar..."

A oferta era um insulto. Ele não estava preocupado com ela. Ele queria tirá-la do caminho, limpar o palco para Manuela. Ele queria comprá-la, silenciá-la, transformá-la em uma boneca guardada em uma caixa.

"Eu não quero o seu dinheiro", disse Joana, finalmente olhando para ele. "E eu não vou desistir do papel."

"Joana..."

"Eu vou cumprir meu contrato", ela o cortou. E então, com uma calma que o surpreendeu, ela acrescentou: "Mas depois que o filme terminar, eu quero rescindir meu contrato com a sua agência. Eu vou embora."

Por um momento, ele pareceu sentir uma pontada de culpa. "Joana, eu sinto muito pelo que aconteceu..."

Mas a porta se abriu e Manuela entrou, sorrindo. "Thiago, querido, eu estava te procurando. Vamos? Temos aquela reserva..."

A culpa no rosto de Thiago desapareceu instantaneamente, substituída pela adoração ao ver Manuela. A prioridade dele era clara. Ele se virou para Joana, o momento de fraqueza esquecido. "Nós terminamos essa conversa depois."

Ele saiu com Manuela, deixando Joana sozinha no apartamento silencioso. Ela olhou pela janela, para a cidade iluminada. A decisão estava tomada. O papel em "Luar" era apenas um contrato a ser cumprido. Seu futuro estava longe dali, em um lugar onde o nome de Thiago Silva não significava nada.