Eu, João Carlos, estava em um canto, observando silenciosamente minha esposa, a CEO da empresa, Ana Paula. Ela estava no centro das atenções, radiante em um vestido vermelho justo, recebendo os parabéns de investidores e parceiros. O nosso casamento era um segredo dentro da empresa, um acordo que fizemos para manter o profissionalismo. Ela sempre dizia que, quando a empresa se estabilizasse, nós contaríamos a todos.
Esta noite parecia ser o momento perfeito. O financiamento de dezenas de milhões era a estabilidade que ela tanto esperava.
Ana Paula subiu ao pequeno palco, pegou o microfone e o sorriso em seu rosto se alargou.
"Obrigada a todos por virem esta noite! Este sucesso não é só meu, é de toda a nossa equipe!"
A multidão aplaudiu com entusiasmo. Eu senti meu coração acelerar um pouco. Era agora.
Mas antes que Ana Paula pudesse continuar, uma figura jovem e esguia saltou para o palco ao seu lado. Era Pedro, o novo estagiário que tinha entrado na empresa há apenas dois meses. Ele era bonito, com um sorriso charmoso que parecia conquistar a todos, especialmente Ana Paula.
Ele pegou o outro microfone e, com um ar convencido, olhou diretamente para Ana Paula.
"Chefe, você vai me oficializar tão rápido assim? Não está me mimando demais?"
A sua voz era alta e cheia de uma intimidade provocadora. O salão, que antes era barulhento, ficou em um silêncio repentino e chocado. Todos os olhares se voltaram para mim e depois de volta para o palco. Eles sabiam da minha dedicação à empresa, do meu papel crucial no desenvolvimento dos produtos que garantiram este financiamento. Eu era o gerente de projeto, o cérebro por trás da tecnologia.
Ana Paula não o desmentiu. Pelo contrário, ela riu, um som leve e divertido.
"Você é o nosso maior talento. Claro que preciso te tratar bem."
Ela então colocou a mão no ombro dele e anunciou para a multidão: "Para recompensar o trabalho duro de todos, e especialmente para dar ao nosso jovem talento Pedro mais experiência, decidi colocá-lo em nosso projeto mais importante, o 'Núcleo Alfa' !"
No mesmo instante, o silêncio se quebrou em aplausos estrondosos.
"Uau! O estagiário foi direto para o projeto principal!"
"Eles formam um casal tão lindo! A CEO e o jovem gênio!"
"Um par perfeito!"
As palavras flutuavam pelo ar e chegavam aos meus ouvidos. Eu fiquei parado, o sorriso congelado no meu rosto, sentindo o olhar de todos sobre mim.
Um colega de longa data, que estava ao meu lado, me deu uma cotovelada e sussurrou: "João, você não é muito bom em se manifestar? Por que não se apressa e demonstra algo agora? Se não, sua posição vai ser roubada."
Eu respirei fundo. O ar parecia pesado. Olhei para o crachá de gerente de projeto pendurado no meu pescoço. O meu nome estava ali, mas parecia não significar nada.
Sem fazer alarde, caminhei em direção ao palco. A multidão abriu caminho para mim, os sussurros me seguindo. Ana Paula e Pedro me viram chegando. O sorriso de Pedro era triunfante. O de Ana Paula era calmo, como se ela não visse nada de errado.
Eu subi no palco, peguei o microfone que Pedro tinha acabado de usar. Ele ainda estava quente.
"Ana Paula tem razão," eu disse, minha voz surpreendentemente firme. "O Pedro é um talento raro. Apenas participar do projeto não condiz com sua posição."
Virei-me para Pedro, que me olhava com um ar de superioridade. Tirei meu crachá do pescoço, o plástico frio contra meus dedos.
"Meu cargo de gerente de projeto será o presente de anúncio de vocês."
Eu empurrei o crachá em seu peito. A expressão de Pedro mudou de presunção para choque. Ana Paula também me olhou, surpresa.
A multidão ficou em silêncio novamente. Desta vez, um silêncio pesado, cheio de confusão.
Eu desci do palco sem dizer mais nada e caminhei em direção à saída. Não olhei para trás.
Mais tarde, no corredor vazio perto dos banheiros, Pedro me encurralou. O seu ar de superioridade tinha voltado, mais forte do que antes.
"Obrigado pelo cargo, João," ele disse, balançando o meu antigo crachá na frente do meu rosto. "Eu sabia que você não era páreo. A Ana Paula precisa de alguém ambicioso ao lado dela, não de um peso morto."
Eu apenas o encarei, sem expressão. A raiva que eu deveria sentir tinha dado lugar a um cansaço profundo.
"Você parece feliz," eu disse, com a voz monótona.
"Claro que estou feliz. E você? Vai ficar aqui e assistir ao meu sucesso?"
Naquele momento, Ana Paula apareceu no final do corredor. A expressão de Pedro mudou instantaneamente. Ele encolheu os ombros, seu rosto se contorceu em uma máscara de medo e vulnerabilidade.
"Ana," ele disse com a voz trêmula, "o João Carlos... ele está me ameaçando. Ele disse que vai me destruir."
Ana Paula correu em nossa direção, passando por mim como se eu não existisse e indo direto para o lado de Pedro.
"Pedro, você está bem? Ele te machucou?" ela perguntou, a preocupação genuína em sua voz.
Ela então se virou para mim, seus olhos frios e acusadores. "João Carlos, o que você pensa que está fazendo? Ameaçando um colega? Peça desculpas a ele. Agora."
Eu senti uma risada amarga subir pela minha garganta, mas a engoli. Olhar para os dois ali, ela o protegendo com uma ferocidade que nunca tinha me mostrado, era a confirmação final de tudo.
"Eu não o ameacei," eu disse calmamente.
"Eu não acredito em você," ela respondeu, ríspida. "O Pedro é sensível. Você o intimidou. Peça desculpas."
Eu balancei a cabeça lentamente. "Não."
A sua expressão endureceu. "Tudo bem. Mas se eu souber que você o incomodou de novo, você vai se arrepender."
Ela pegou a mão de Pedro e o levou para longe, deixando-me sozinho no corredor mal iluminado. O som dos seus saltos ecoando no chão parecia o som de algo se quebrando dentro de mim.
Quando cheguei em casa naquela noite, a casa estava escura e silenciosa. Ana Paula chegou uma hora depois. Ela não falou sobre o incidente no corredor. Em vez disso, ela agiu como se estivesse tentando consertar as coisas, de sua própria maneira torta.
"João, eu sei que a noite foi... intensa," ela começou, evitando meu olhar. "Eu tenho um presente para você. Para comemorar o financiamento."
Ela me entregou uma pequena caixa de papelão, amassada nos cantos. Eu a abri. Dentro, em um pedaço de veludo desbotado, havia um relógio. Era um modelo simples, de uma marca desconhecida. Parecia usado.
Eu o virei e vi um pequeno arranhão no vidro. Dentro da caixa, havia uma nota fiscal. Minha curiosidade foi mais forte. Eu a peguei. A data da compra era de três anos atrás, de uma loja de penhores. O preço era irrisório.
Um presente. Um relógio velho, comprado por uma ninharia há anos, provavelmente esquecido em uma gaveta. Este era o valor que ela me dava. Este era o prêmio pela minha dedicação, pelas minhas patentes que trouxeram milhões para a empresa dela.
Eu olhei para ela. Ela estava mexendo no celular, já distraída, a tarefa de "apaziguar o João" aparentemente concluída.
Naquele momento, a desilusão que vinha se acumulando por anos transbordou. Não era mais uma questão de amor ou traição. Era uma questão de respeito próprio.
Eu não disse nada. Apenas peguei a caixa, fui até a cozinha e a joguei na lixeira, junto com os restos do jantar que eu tinha preparado e que ela não comeu. O som do metal batendo no fundo do cesto foi baixo, mas para mim, foi o som mais alto da noite.
Voltei para a sala de estar. Ela nem percebeu.
Peguei meu celular. Rolei pelos contatos até encontrar um nome que não via há algum tempo: Sofia. Uma CEO de uma empresa de tecnologia concorrente que, meses atrás, tinha tentado me recrutar com uma oferta generosa. Na época, eu recusei por lealdade a Ana Paula.
Hesitei por apenas um segundo antes de apertar o botão de ligar.
O telefone tocou duas vezes.
"Alô?" a voz de Sofia soou, clara e profissional.
"Sofia? É o João Carlos," eu disse, minha voz firme. "Aquela sua proposta... ainda está de pé?"