O sol mal tinha nascido quando eu levantei. Não aguentava mais esperar. Vesti a primeira roupa que encontrei e peguei as chaves do carro. Eu ia até aquela casa de praia. Eu precisava ver minha filha com meus próprios olhos.
Quando passei pela sala, vi João dormindo no sofá, a boca entreaberta, o pote de cocada vazio ao lado dele. Uma onda de repulsa me percorreu. Ele dormia tranquilamente enquanto eu era consumida pela angústia.
Antes de sair, decidi tentar ligar para Sofia mais uma vez. Talvez ela estivesse acordada agora. Peguei meu celular e disquei.
Desta vez, ela atendeu no segundo toque.
"Alô?"
"Sofia, sou eu. Estou indo para aí buscar a Clara."
Houve uma pequena pausa do outro lado. Curta demais para ser notada por alguém que não estivesse prestando atenção, mas para mim, foi um alarme.
"Vindo pra cá? Por quê? Eu disse que levaria ela de manhã. Não precisa se incomodar, cunhada."
A voz dela era suave, controlada. Perfeita demais.
"Eu não me incomodo. Já estou saindo. Me passa o endereço de novo, só pra confirmar."
"Claro. É na Praia do Sol, condomínio Mar Azul, casa 14. Mas, Maria... tem certeza? A Clara acabou de acordar, está tomando café com o Pedro. Eles estão tão felizes juntos, seria uma pena separá-los agora."
Cada palavra dela parecia ensaiada. Cada resposta era rápida demais, fluida demais.
"Eu tenho certeza, Sofia. Estou a caminho."
Desliguei antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa. Eu precisava sair dali antes que João acordasse e tentasse me impedir.
Mas era tarde demais.
Quando me virei para a porta, ele estava parado lá, os olhos inchados de sono e raiva.
"Onde você pensa que vai?"
"Vou buscar a minha filha."
A raiva no rosto dele se intensificou. Ele andou na minha direção, o corpo bloqueando a passagem.
"Eu não acredito nisso, Maria! Você vai mesmo até lá criar um problema por nada? Eu já te falei, a Sofia é de confiança! Você está insultando a memória do meu irmão com essa sua desconfiança doentia!"
A voz dele se elevou, enchendo a pequena sala.
"Doentia? Eu sou a mãe dela, João! Eu tenho o direito de me preocupar! Ela nunca dormiu fora de casa sem falar comigo antes! Você acha isso normal?"
"O que não é normal é essa sua paranoia! Você quer o quê? Que a Sofia se afaste de nós? Que o Pedro nunca mais brinque com a Clara? É isso que você quer? Destruir a única família que me resta?"
Ele gesticulava, o rosto contorcido. Eu não o reconhecia. Aquele não era o homem com quem eu me casei. Era um estranho, um defensor fanático de outra mulher.
"A sua família sou eu! E a Clara! Mas parece que você se esqueceu disso! Você se importa mais com os sentimentos da Sofia do que com a angústia da sua esposa!"
As palavras saíram rasgando minha garganta, carregadas de toda a dor e frustração dos últimos anos.
Ele riu, um som amargo e cruel.
"Angústia? Você cria sua própria angústia, Maria. Você vive num drama sem fim. A Sofia é uma santa por te aguentar. Ela perdeu o marido, cria um filho sozinha e ainda tem que lidar com as suas loucuras."
Ele pegou o celular do bolso.
"Você não vai a lugar nenhum. Eu vou ligar pra ela e dizer que você teve uma das suas crises e pra ela não se preocupar."
Um desespero gelado tomou conta de mim. Ele ia me sabotar. Ele ia me impedir de chegar até a minha filha.
Num impulso, arranquei as chaves da mão dele e corri para a porta. Ele tentou me segurar, mas eu o empurrei com uma força que eu não sabia que tinha e saí, batendo a porta com força.
Corri para o carro, as mãos tremendo tanto que mal consegui colocar a chave na ignição. Enquanto dava a partida, vi pelo retrovisor João parado na porta, o telefone na orelha. Ele estava ligando para ela. Avisando que eu estava a caminho.
Pisei no acelerador, o carro cantando pneu no asfalto. Eu não sabia o que ia encontrar naquela casa de praia, mas uma certeza se formava no meu peito: eu estava correndo contra o tempo. E estava completamente sozinha. Decidi fazer uma última tentativa. Peguei o celular e disquei o número do telefone fixo da casa de praia de novo. Se Clara estava lá, talvez ela atendesse.
O telefone chamou. Uma, duas, três vezes.
No quarto toque, a chamada foi atendida. Mas não houve um "alô". Apenas o som de um telefone sendo tirado do gancho e colocado sobre uma mesa. E então, silêncio.
"Alô? Clara? Filha, é a mamãe!" gritei no viva-voz, enquanto dirigia.
Nenhuma resposta. Apenas o som mudo de uma linha aberta.
"Sofia? Pedro? Tem alguém aí?"
Nada. A linha continuou aberta por mais alguns segundos e depois foi desligada. Um clique seco. O desespero se transformou em terror puro.