"O que você quer?"
"João, eu liguei para o fixo da casa de praia. Alguém atendeu e desligou na minha cara."
"Deve ter sido um engano. Para de surtar, Maria."
Mas enquanto ele falava, eu ouvi um barulho no fundo. Um barulho muito específico. O som de tecido, de roupas sendo tiradas às pressas. E depois, um suspiro baixo, um som que eu conhecia muito bem. Um som de intimidade.
Meu sangue gelou nas veias.
Não era possível.
"Onde você está, João?", perguntei, a voz um fio.
"Em casa, onde mais eu estaria?", ele respondeu, rápido demais.
Mas eu ouvi de novo. Um som abafado, quase um gemido. E depois, a voz de Sofia, muito perto do telefone dele.
"Desliga isso, amor. Vem cá..."
A voz dela era um sussurro, mas para mim, foi um grito.
Ele desligou na minha cara.
O carro balançou na pista. Por um segundo, o mundo ficou branco. A dor da traição foi tão aguda, tão física, que eu quase perdi o controle da direção. Ele não estava em casa. Ele estava com ela. Enquanto eu estava desesperada atrás da nossa filha, ele estava na cama com a minha cunhada.
A náusea subiu pela minha garganta. Eu encostei o carro no acostamento, abri a porta e vomitei. Era um vômito seco, amargo. Não havia nada no meu estômago além de pânico.
Tudo se encaixou. A defesa cega. O carinho na voz. As ausências. As "reuniões de trabalho". A cocada que ele devorava com tanto prazer. Era tudo uma mentira. Uma mentira nojenta e cruel.
Sentei-me no banco do motorista, tremendo incontrolavelmente. A dor era imensa, mas outro sentimento começou a crescer por baixo dela, mais forte, mais urgente: o medo pela minha filha.
Clara não estava com Sofia e Pedro numa inocente noite de praia. Clara estava no meio daquela sujeira. Ela era um peão no jogo doentio deles.
Minha mente clareou. A dor pessoal teria que esperar. Agora, só uma coisa importava.
Peguei o celular. Minhas mãos ainda tremiam, mas meus dedos foram firmes. Disquei 190.
"Polícia, qual a sua emergência?"
"Eu quero reportar o desaparecimento de uma criança", eu disse, a voz surpreendentemente firme. "Minha filha. Clara da Luz. Sete anos."
Expliquei toda a história para o atendente. A saída com a cunhada, a mentira sobre a casa de praia, os telefonemas não atendidos.
O policial do outro lado foi paciente, mas suas palavras eram um balde de água fria.
"Senhora, a sua cunhada é parente. Ela disse que a menina está com ela. Legalmente, não podemos configurar como sequestro ainda. Precisamos esperar 24 horas para abrir um boletim de ocorrência de desaparecimento, a menos que haja evidência de crime."
"Mas há evidência!", eu gritei. "Eles estão mentindo pra mim! Meu marido está com ela! Eles são amantes! Eles levaram a minha filha!"
"Senhora, eu entendo seu desespero, mas adultério não é evidência de sequestro. Se a senhora quiser, pode vir a uma delegacia registrar uma queixa, mas a busca oficial só começará após o prazo de 24 horas."
Desliguei, sentindo uma onda de impotência me afogar. A lei, os procedimentos, os prazos. Tudo parecia conspirar contra mim. Ninguém me levaria a sério. Eu era apenas a "esposa neurótica".
Meu celular tocou de novo. Era João. A raiva no rosto dele devia ser imensa. Atendi, pronta para a briga.
"Você ficou louca? A polícia acabou de me ligar! Você registrou uma queixa contra a Sofia?"
A voz dele era um rosnado.
"Eu vou registrar uma queixa contra quem for preciso pra encontrar a minha filha, João!"
"Não vai, não! Eu já falei com eles. Eu disse que foi um mal-entendido de uma esposa ciumenta e retirei a queixa. Eu sou o pai, Maria. Eu tenho esse direito. Não se atreva a nos envergonhar desse jeito de novo."
Ele retirou a queixa. Ele ativamente me impediu de usar a única ferramenta que eu tinha. Ele escolheu ela. Definitivamente.
"Você vai se arrepender disso, João. Eu juro que você vai."
Desliguei. O desespero se foi, substituído por uma raiva fria e cortante. Se a polícia não ia me ajudar, se meu marido era meu inimigo, então eu faria isso sozinha.
Voltei para a estrada. Eu não ia mais para a casa de praia. Era uma armadilha, uma distração. Eles não estariam lá.
Mas eu sabia onde encontrá-los. Havia apenas um lugar. O apartamento de Sofia. O ninho deles.
Eu ia até lá. E eu ia arrancar a verdade da garganta deles.