Traição e Dor Infindável
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Capítulo 4

Dirigi de volta para a cidade, o coração uma pedra de gelo no peito. A traição de João doía, mas era uma dor surda, distante. A preocupação com Clara era uma chama viva que consumia todo o resto.

Quando estacionei em frente ao prédio de Sofia, minhas pernas tremiam. Respirei fundo. Eu não podia desmoronar agora.

O porteiro me conhecia. Ele sorriu e abriu o portão sem fazer perguntas. Subi no elevador, cada andar uma eternidade.

Parei em frente à porta dela. A porta de madeira escura parecia uma barreira intransponível. Eu podia ouvir vozes lá dentro. A voz de João, baixa. E a risada de Sofia. Uma risada leve, despreocupada.

Aquela risada quebrou algo dentro de mim.

Bati na porta. Com força. Uma, duas, três vezes.

As vozes pararam. Silêncio.

Bati de novo, usando o punho fechado.

"SOFIA! ABRE ESSA PORTA! EU SEI QUE VOCÊS ESTÃO AÍ! CADÊ A MINHA FILHA?"

Ouvi passos apressados. A porta se abriu uma fresta. Era João. Ele estava sem camisa, o cabelo bagunçado. O rosto dele era uma máscara de fúria.

"O que você está fazendo aqui? Ficou maluca?"

Empurrei a porta com toda a minha força. Ele foi pego de surpresa e cambaleou para trás. Entrei no apartamento.

Sofia estava parada no meio da sala. Ela usava um robe de seda curto, que mal cobria suas coxas. O cabelo dela também estava bagunçado. O cheiro de sexo e perfume barato pairava no ar.

Não havia sinal de Clara. Nem de Pedro.

"Cadê ela?", perguntei, a voz baixa e perigosa.

Sofia cruzou os braços, tentando parecer ofendida.

"Ela quem? Do que você está falando, Maria? Você invadiu a minha casa!"

"NÃO SE FAÇA DE IDIOTA, SOFIA! CADÊ A MINHA FILHA? A CLARA!"

João se colocou entre nós.

"Para com isso, Maria! Vai embora! Nós vamos conversar em casa."

"Nós não temos mais nada pra conversar, João. A não ser que você me diga agora onde está a nossa filha." Olhei para ele, para o peito nu, para a marca de batom perto do pescoço dele. "Eu quero o divórcio."

A palavra pareceu chocá-lo mais do que toda a minha gritaria. A raiva no rosto dele se transformou em algo mais feio. Desprezo.

"Divórcio? Você não tem nada, Maria. Você depende de mim pra tudo. Agora, saia da casa da Sofia antes que eu perca a paciência."

Ele deu um passo na minha direção e me empurrou com força no ombro.

"SAI!"

O empurrão me desequilibrou. Eu bati contra a parede. A dor física não foi nada comparada à humilhação.

Ele me empurrou para fora e bateu a porta na minha cara. Ouvi a fechadura girar.

Fiquei ali, do lado de fora, ouvindo.

"Ela é louca, Joãozinho. Completamente surtada", ouvi a voz melosa de Sofia.

"Eu sei, meu bem, me desculpe por isso. Eu vou dar um jeito nela. Não se preocupe." A voz dele era suave, cheia de uma ternura que ele nunca, jamais, usou comigo. "Onde a gente parou?"

O som de um beijo. E depois, a risada dela de novo.

Eu me arrastei até o elevador, o corpo doendo, a alma em pedaços. Eles não se importavam. Para eles, Clara era um inconveniente, um detalhe na sórdida história de amor deles.

Voltei para o meu carro, mas não tinha para onde ir. Minha casa não era mais meu lar. Minha filha estava desaparecida. Meu marido era um monstro.

Sentei no banco do motorista, a cabeça encostada no volante. As lágrimas que eu segurei por tanto tempo finalmente vieram. Um choro silencioso, de puro desespero.

Foi quando meu celular tocou.

O som alto me assustou. Olhei para a tela. Número desconhecido.

Meu coração deu um salto. Podia ser alguém com notícias da Clara.

Atendi, a voz embargada.

"Alô?"

"É a senhora Maria da Luz, mãe de Clara da Luz?"

A voz era masculina, grave, oficial.

"Sim, sou eu. Você tem notícias dela? Você a encontrou?"

Houve uma pausa do outro lado. Uma pausa que pareceu durar mil anos.

"Senhora, aqui é o Sargento Almeida, da Polícia Civil. Nós precisamos que a senhora venha ao IML do centro. Encontramos uma criança que bate com a descrição da sua filha."

IML. Instituto Médico Legal.

As palavras não fizeram sentido no início. Eram apenas sons.

"IML? Por quê? Ela se machucou?"

"Senhora... a criança foi vítima de um acidente de trânsito. Ela não resistiu."

Não... não... não...

A palavra ecoava na minha cabeça, mas minha boca não conseguia produzi-la. O telefone escorregou da minha mão e caiu no chão do carro. O mundo ao meu redor começou a girar, a se dissolver em um borrão de luzes e sons.

Minha filha. Minha Clarinha. Morta.

Não era possível. O policial estava enganado. Tinha que estar. Sofia disse que ela estava bem. João disse que eu era neurótica. Eles não podiam estar mentindo sobre isso. Não sobre isso.

Meu cérebro se recusava a aceitar. Um som estranho saiu da minha garganta, uma mistura de soluço e risada. Tinha que ser um engano. Uma piada de mau gosto.

Peguei o celular do chão. Disquei o número de João.

Ele atendeu, a voz irritada.

"O que foi agora, Maria? Eu não te falei pra..."

"A polícia ligou", eu o interrompi, a voz estranhamente calma, quase robótica. "Eles acham que encontraram a Clara. Morta."

Silêncio do outro lado. Um silêncio profundo, denso.

E então, eu ouvi. Um som que eu nunca vou esquecer pelo resto da minha vida.

João riu.

Não foi uma risada alta. Foi um riso baixo, incrédulo, quase um bufo.

"Ah, Maria, pelo amor de Deus. Você acredita em tudo. É óbvio que é um trote. Alguém querendo se aproveitar da situação. A Clara está bem, eu já te falei. Ela está com a Sofia. Desliga esse telefone e vai pra casa."

Ele não acreditou. Ou não quis acreditar. Ele descartou a notícia da morte da nossa filha como se fosse um aborrecimento, uma inconveniência. A negação dele era tão absurda, tão fora da realidade, que por um momento eu duvidei da minha própria sanidade.

Mas o tom do sargento na minha cabeça era real. A dor no meu peito era real. E o sorriso estúpido que eu podia imaginar no rosto de João enquanto ele negava o impensável... aquilo era a coisa mais real e monstruosa de todas.

                         

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