Sua primeira providência foi tirar Pedro da escola. Ela foi até a diretoria com uma história bem ensaiada sobre uma emergência familiar que exigia que eles se mudassem para o exterior por tempo indeterminado. A papelada foi preenchida, as taxas foram pagas. Um passo a menos.
Um dia, enquanto esperava Pedro terminar uma sessão de fisioterapia no hospital, ela ouviu a voz de João vindo de uma sala próxima. Ele estava no telefone, e o tom de sua voz era meloso e íntimo.
"Sim, meu amor, a casa já está quase pronta para você" , ele dizia. "Só mais alguns dias. Tenha paciência, Sofia. Logo estaremos juntos, como uma família de verdade."
Maria sentiu o estômago revirar.
"A Maria? Não se preocupe com ela. Ela está mais dócil do que nunca. Acho que o acidente a fez perceber quem realmente manda."
Então, ela ouviu a voz de Sofia do outro lado, fina e manhosa.
"Mas e se ela mudar de ideia, Joãozinho? E se ela criar problemas?"
"Ela não vai. Eu a conheço. E mesmo que tentasse, o que ela poderia fazer? Ela não é nada sem mim."
Maria fechou os olhos, lembrando-se de todas as vezes que Sofia a havia manipulado. A amante de seu marido sempre se fazia de vítima, de amiga. Ela lembrava de Sofia "inocentemente" mencionando como João parecia infeliz, como ele merecia mais. Ela lembrava dos pequenos presentes, dos sorrisos falsos, tudo parte de um jogo cruel que Maria só agora entendia.
A porta da sala de fisioterapia se abriu e Pedro saiu, mancando um pouco, mas com um sorriso no rosto. O sorriso desapareceu quando ele viu a expressão de sua mãe.
"O que foi, mãe?"
"Nada, meu filho. Vamos para casa."
No dia seguinte, o pesadelo se tornou realidade. João anunciou que Sofia e sua filha, Clara, viriam para jantar. O primeiro passo para se mudarem.
Eles estavam em um restaurante caro, um lugar que João escolheu para exibir sua "família feliz" . Sofia chegou, deslumbrante em um vestido vermelho, segurando a mão de uma menina pálida, mas com olhos astutos. Clara.
"Maria, querida!" , Sofia exclamou, abraçando-a com uma familiaridade nauseante. "Você parece ótima! A recuperação está indo bem, não é?"
Maria apenas assentiu, incapaz de falar.
A tensão na mesa era palpável. João tentava manter uma conversa leve, mas o silêncio de Maria e Pedro era pesado.
De repente, Clara, que estava encarando Pedro fixamente, apontou para ele e disse em voz alta e estridente:
"Mãe, olha! É o menino que me deu um rim novo! Ele parece esquisito com aquela cicatriz."
O restaurante ficou em silêncio. Todos os olhares se voltaram para a mesa deles. O rosto de Pedro ficou vermelho de humilhação e dor. Ele olhou para a menina, depois para o pai, esperando que ele o defendesse.
João apenas riu, desconfortável.
"Clara, não seja boba" , ele disse, a voz tentando ser leve. "As crianças dizem cada coisa, não é?"
Ele olhou para Maria, esperando que ela concordasse, que ela ajudasse a dissipar a situação embaraçosa.
"João, diga a ela para parar" , disse Maria, a voz baixa e trêmula de raiva contida.
Sofia interveio, com um sorriso falso.
"Oh, Maria, não seja tão sensível. Crianças são crianças. Clara não quis dizer por mal. Ela está apenas feliz por estar saudável."
"Ela está sendo cruel" , insistiu Maria.
João suspirou, irritado.
"Chega, Maria. Não vamos estragar nosso jantar por causa de uma bobagem. Peça desculpas à Clara, Pedro."
Aquilo foi a gota d'água. Pedir desculpas? Por ser a vítima?
Pedro olhou para o pai, os olhos cheios de uma dor e desilusão tão profundas que partiu o coração de Maria. A última centelha de esperança, a última partícula de amor que ele ainda poderia ter por aquele homem, se apagou naquele instante. Ele viu o pai não como um protetor, mas como um cúmplice de sua dor.
Sem dizer uma palavra, Pedro se levantou da mesa.
Maria se levantou também. Ela pegou a mão do filho, ignorando os protestos de João e o olhar triunfante de Sofia.
"Nós vamos embora" , ela disse, a voz firme como uma rocha.
Ela não olhou para trás. Ela caminhou para fora do restaurante, com a cabeça erguida, segurando a mão de seu filho. A decisão não era mais apenas uma ideia. Era uma certeza. O tempo deles naquela vida havia acabado.