Talvez, depois de cinco anos, ele finalmente estivesse me vendo.
Mas então ele se afastou, seus olhos escuros e impenetráveis fixos nos meus. Sua voz era baixa e sem emoção, como sempre.
"Luana, preciso que você doe sangue."
A esperança murchou e morreu instantaneamente.
"De novo?", perguntei, minha voz um sussurro. "O médico não disse que meu corpo já está no limite? Da última vez..."
"Desta vez é diferente", ele me cortou, sua paciência claramente se esgotando. "São 800ml."
O ar saiu dos meus pulmões. Oitocentos mililitros. Era uma quantidade perigosa, letal. Nenhuma pessoa sã pediria isso.
"Thiago, isso... isso pode me matar", eu disse, o choque me deixando tonta.
Ele não vacilou. Seus olhos permaneceram frios como gelo. "Laura precisa. A condição dela piorou."
Laura.
O nome pairou no ar entre nós, pesado e venenoso. Laura, a estudante universitária que ele protegia com uma ferocidade que nunca me mostrou. Laura, a mulher que todos sabiam que ele amava. A razão pela qual nosso casamento era uma farsa.
De repente, uma dor aguda atravessou minha cabeça. Não era uma dor comum, era algo mais profundo, uma fratura na própria realidade. A sala começou a girar, e as velas na mesa se transformaram em chamas altas e furiosas.
Uma imagem explodiu na minha mente.
Eu estava em um armazém abandonado, amarrada a uma cadeira. Laura estava na minha frente, seu rosto doce contorcido em um sorriso vitorioso. "Luana, você não entende? Thiago nunca te amou. Ele só se casou com você por causa da sua família. O coração dele sempre foi meu."
Thiago estava lá também, parado nas sombras, seu rosto impassível.
"Thiago, me ajude!", eu gritei, a voz rouca de pânico.
Ele não se moveu. Ele apenas observou enquanto Laura colocava uma bomba com um cronômetro no meu colo.
"Tic-tac, Luana", ela cantou. "É o fim da linha para você."
A imagem mudou. Eu estava em um carro, dirigindo desesperadamente em uma estrada escura e chuvosa. Meu telefone tocou. Era Thiago.
"Luana, onde você está? Laura sofreu um acidente. Ela precisa de sangue. O tipo de sangue raro dela... só você tem."
Eu pisei no acelerador, a preocupação superando a dor da traição. "Estou a caminho do hospital!"
Então, a explosão. Um clarão branco, uma dor excruciante, e depois, nada.
Eu voltei a mim, ofegando, o suor frio escorrendo pela minha testa. Eu estava de volta à mesa de jantar. Thiago ainda me encarava, sua expressão se tornando impaciente.
Não era uma imagem. Era uma memória.
Eu renasci.
Eu vivi essa vida antes, e ela terminou em fogo e traição. Toda a dor, toda a humilhação, todo o amor não correspondido... eu passei por tudo isso antes. E agora, o ciclo estava começando de novo.
Meu corpo inteiro tremia. Eu olhei para Thiago, mas não vi mais o homem que eu amava desesperadamente. Eu vi um monstro. Um homem que me observou morrer.
"Laura precisa", ele repetiu, sua voz me tirando do meu transe aterrorizante. "O médico já está esperando."
O sangue que eu doei. Todas as vezes. As "emergências médicas", as "doações anônimas" que ele me pedia para fazer. Nunca foi para um banco de sangue. Foi sempre para ela. Ele estava me usando como uma bolsa de sangue pessoal para a mulher que ele amava.
A compreensão me atingiu como uma onda gelada, me afogando em desespero e raiva.
Eu olhei para ele, o homem a quem dediquei cinco anos da minha vida, o homem que me deixou para morrer. O amor no meu coração se transformou em pó, substituído por um ódio profundo e gelado.
"Não", eu disse, minha voz surpreendentemente firme.
Uma ruga apareceu entre suas sobrancelhas. "O que você disse?"
"Eu disse não."
A frieza em seus olhos se transformou em fúria. Ele nunca gostou de ser contrariado.
"Luana, isso não é um pedido."
"Eu não me importo", eu respondi, o gosto amargo da bile subindo pela minha garganta.
A pressão na minha cabeça se intensificou. Meu corpo, já fraco por doações anteriores, não aguentou o choque. Minha visão escureceu nas bordas. A última coisa que vi antes de desmaiar foi o rosto de Thiago, não com preocupação, mas com desprezo e irritação. Ele estava zangado porque sua bolsa de sangue estava sendo desobediente.
Enquanto a escuridão me engolia, um único pensamento claro permaneceu.
Desta vez, vai ser diferente.
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