Rejeição e Um Novo Começo
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Capítulo 1

A tela do computador brilhava no escuro do quarto, o cronômetro no canto da página da PUC-Rio piscava em vermelho, faltavam menos de dois minutos para o fim das inscrições. O mouse tremia um pouco na minha mão. Era o sonho da minha vida, o nosso sonho. Eu, Sofia e Camila, juntos na mesma faculdade, no mesmo campus, como sempre planejamos desde que éramos crianças.

A foto das duas sorrindo para mim, presa na moldura do monitor, parecia zombar de mim. Sofia e Camila, minhas melhores amigas, a minha vida inteira. Mas agora, tudo parecia uma mentira.

Com um movimento brusco, fechei a aba da PUC-Rio. Abri uma nova, digitei "USP" na barra de busca. Meus dedos voaram pelo teclado, preenchendo o formulário de inscrição para um curso completamente diferente, em uma cidade completamente diferente. Engenharia. São Paulo. Longe.

Cliquei em "enviar" quando faltavam dez segundos. A página carregou, e uma mensagem de confirmação apareceu. "Inscrição Realizada com Sucesso". Suspirei, um ar pesado saindo dos meus pulmões. O som do relógio marcando meia-noite pareceu um tiro de largada para uma nova vida, uma vida sem elas.

Desliguei o computador e a escuridão tomou conta do quarto, mas não era um breu completo. As luzes da rua desenhavam formas nos objetos que enchiam cada canto, cada prateleira, cada parede. Eram presentes delas, fotos nossas, lembranças de uma amizade que eu agora via como uma prisão.

Levantei-me, movendo-me com uma calma que eu não sentia por dentro. Fui até a estante e peguei o primeiro porta-retrato, uma foto nossa no Pão de Açúcar, com a cidade do Rio de Janeiro aos nossos pés. Nós três, abraçados, sorrindo como se o mundo fosse nosso. Tirei a foto da moldura e a rasguei ao meio, depois em quatro, depois em pedaços tão pequenos que eram irreconhecíveis. Joguei os pedaços no lixo.

Fiz o mesmo com todas as outras fotos. Uma a uma, as lembranças foram destruídas. Peguei uma caixa de papelão vazia e comecei a enchê-la com os presentes, os livros que elas me deram, os ingressos de cinema guardados, tudo. O último item foi um álbum de fotos de couro, um presente de aniversário de quinze anos delas. Não o abri. Não conseguia. Apenas o coloquei dentro da caixa, em cima de todo o resto, e fechei as abas. Aquela caixa continha a minha vida inteira, e eu a estava jogando fora.

A mudança não foi repentina, foi uma erosão lenta e dolorosa. Começou com a chegada de Gabriel. Ele apareceu do nada, um amigo de um amigo de Sofia, e em poucas semanas, ele estava em todos os lugares. Gabriel era charmoso, tinha um sorriso fácil e uma história triste sobre sua família pobre e suas dificuldades. Sofia e Camila o acolheram imediatamente, com uma devoção que me assustava.

Eu me lembro de uma tarde, sentados num quiosque na praia. Eu tentava contar sobre uma descoberta que fiz no laboratório da escola, algo que me deixava animado, mas elas não ouviam. Seus olhos estavam fixos em Gabriel, que contava pela décima vez como ele trabalhava duro para ajudar a mãe. Sofia passava a mão no braço dele, consolando-o. Camila o olhava com admiração. Eu era apenas um ruído de fundo, invisível.

A gota d'água foi na minha festa de aniversário surpresa, há algumas semanas. Elas organizaram tudo, mas a festa não parecia ser para mim. Quando cheguei, a atenção de todos estava em Gabriel. E então, eu o vi. Ele estava usando o meu terno, um presente caro dos meus pais que eu guardava para a minha formatura. E no pulso dele, o meu relógio, a única herança do meu avô.

Meu sangue gelou. Aproximei-me dele, a raiva subindo pela minha garganta.

"O que você está fazendo com as minhas coisas?", perguntei, minha voz baixa e trêmula.

Gabriel sorriu, aquele sorriso falso e desarmante. "Calma, João Vítor. Eu só queria ficar bonito para a sua festa. Você tem tantas coisas, achei que não se importaria."

Sofia e Camila se aproximaram, já na defensiva. "João Vítor, para com isso", disse Sofia. "Não seja mesquinho. Ele só queria se arrumar."

"Mesquinho?", repeti, incrédulo. "Ele pegou minhas coisas sem pedir. O relógio do meu avô!"

"Ai, que drama", Camila revirou os olhos. "É só um relógio. Gabriel não tem as mesmas condições que você, tenha um pouco de empatia."

Olhei para elas, para as minhas amigas de infância, e não reconheci as pessoas na minha frente. Elas estavam defendendo um cara que mal conheciam, um cara que tinha invadido minha privacidade e roubado algo de valor sentimental imenso, e a culpa era minha por ser "mesquinho". A lealdade delas não era mais para mim.

Eu não discuti mais. Apenas dei um passo para trás, sentindo um vazio gelado onde antes havia carinho. Levantei meu copo, um sorriso amargo no rosto.

"Um brinde", eu disse, alto o suficiente para que eles ouvissem. "Ao Gabriel. Que parece que usa minhas roupas e meu relógio melhor do que eu."

Dei as costas e saí da minha própria festa. Naquele momento, a amizade deles já estava morta. Eu só precisei de algumas semanas e da tela de inscrição da faculdade para oficializar o enterro.

            
            

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