A festa estava em pleno andamento quando cheguei. Gabriel, como sempre, estava ao lado de Camila, agindo como o anfitrião. Ele usava uma camisa que eu reconheci imediatamente: uma camisa de seda que eu havia comprado numa viagem e que tinha sumido do meu armário há algumas semanas. A raiva subiu quente e rápida, mas eu a engoli. Não valia a pena.
Eles me puxaram para outro jogo de "verdade ou desafio". A garrafa girou e parou em mim. Desafio. Uma garota que eu mal conhecia me desafiou a responder: "Se você tivesse que escolher entre a Sofia e a Camila para namorar, quem seria?"
Um silêncio constrangedor se instalou. Sofia e Camila me olharam, seus rostos uma mistura de curiosidade e ansiedade. Era uma pergunta estúpida de adolescente, mas no contexto atual, parecia ter um peso enorme. Elas queriam ouvir minha resposta, talvez para reafirmar a antiga dinâmica, para ter certeza de que eu ainda pertencia a elas.
Eu abri a boca para responder, para dizer algo que talvez acabasse com aquilo de uma vez por todas, mas antes que qualquer som saísse, houve um grito.
"Aaaai!"
Todos se viraram. Gabriel estava no chão, perto da churrasqueira, segurando a mão. "Eu me queimei! Me queimei!", ele gritava, com uma expressão de dor excruciante.
Instantaneamente, o jogo foi esquecido. Sofia e Camila correram para o lado dele, em pânico.
"Gabriel! O que aconteceu? Deixa eu ver!", disse Sofia, tentando pegar a mão dele.
"Ai, está doendo muito!", ele choramingava, se contorcendo.
Camila, a aniversariante, esqueceu completamente da festa e dos convidados. "Vem, vamos colocar gelo! Rápido!"
Elas o ajudaram a levantar e o levaram para dentro de casa, tratando-o como um herói de guerra ferido. Ninguém mais se importava com o jogo ou com a minha resposta. O centro do universo havia se deslocado novamente. Fiquei observando a cena, uma calma fria se instalando em mim. O "acidente" de Gabriel foi perfeito demais, no momento exato para desviar a atenção de uma resposta que ele não queria que eu desse. Ele não queria que eu reafirmasse nenhum laço com elas, nem mesmo de brincadeira.
Mais tarde, ele voltou para o jardim com a mão enfaixada, recebendo a simpatia de todos. Ele se sentou ao lado das meninas, que não saíam de perto dele. Eu o observei de longe. Ele ostentava a minha camisa roubada e a mão enfaixada como troféus.
A festa mudou de ritmo. As pessoas se reuniram ao redor de uma fogueira que acenderam no quintal. Gabriel, sentindo-se o centro do mundo, levantou-se e fez um discurso.
"Eu só queria agradecer à Camila por essa festa incrível", ele começou, a voz emotiva. "E à Sofia. Vocês duas... vocês me salvaram. Me deram uma família. Eu serei leal a vocês para sempre. Vocês são tudo para mim."
Sofia e Camila tinham lágrimas nos olhos. Elas se levantaram e o abraçaram. "Nós também te amamos, Gabriel", disse Camila. "Você é nosso irmão", completou Sofia.
Aquela cena foi o golpe final. A palavra "irmão", a mesma que elas usaram comigo por toda a vida, agora era dele. Eu me senti um fantasma, assistindo a minha vida ser vivida por outra pessoa. Levantei-me em silêncio e caminhei para o fundo do jardim, longe do calor da fogueira e da falsidade daquela cena. A escuridão era mais confortável.
Eu estava olhando para o céu estrelado quando senti uma presença atrás de mim. Era Gabriel.
"Sozinho no escuro, João Vítor?", ele perguntou, a voz baixa e perigosamente suave. "Não gosta mais de festas?"
Eu não me virei. "O que você quer, Gabriel?"
Ele riu. "Eu? Nada. Só vim ver se você estava bem. Você ficou tão quieto depois do meu... acidente."
"Seu acidente foi muito conveniente", eu disse, a voz cheia de desprezo.
Ele ficou em silêncio por um momento. Quando falou de novo, não havia mais falsidade em sua voz. Era puro veneno. "Você tem que admitir, eu sou bom. Elas comem na minha mão. E você? Você já era."
Nesse momento, um dos amigos de Camila se aproximou com uma caixa de fogos de artifício. "E aí, vamos soltar uns rojões para comemorar?"
Gabriel sorriu, um sorriso sombrio e malicioso. "Ótima ideia." Ele pegou um dos maiores rojões da caixa. "Deixa que eu acendo o primeiro."
Ele se virou para mim, os olhos brilhando na escuridão. "Isso é por você, João Vítor. Uma despedida."
Ele acendeu o pavio. Mas em vez de apontar o rojão para o céu, ele o virou na minha direção. Tudo aconteceu rápido demais. Um clarão, um barulho ensurdecedor, e uma dor aguda e queimante na minha perna. Eu caí no chão, gritando. A última coisa que vi antes de apagar foi o rosto de Gabriel, olhando para mim com um sorriso satisfeito.