Levei o lixo para a calçada, bem na hora em que o caminhão estava passando. Assisti enquanto os garis jogavam o saco preto na caçamba e a máquina o esmagava. Um alívio estranho tomou conta de mim. Estava feito.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Sofia e Camila apareceram na minha porta. Elas não tocaram a campainha, simplesmente usaram a chave que tinham. Quando entraram na sala, viram a parede vazia onde antes ficavam as fotos.
"Ué, cadê as fotos?", perguntou Sofia, confusa.
"Eu tirei", respondi, sem tirar os olhos do livro que estava lendo.
"Tirou por quê? A gente pode colocar de volta", disse Camila, já se aproximando da parede.
"Eu joguei fora", falei, com a mesma calma.
As duas pararam e me encararam. A confusão em seus rostos se transformou em choque.
"Você o quê?", Sofia gaguejou. "João Vítor, você tá maluco? Por que você faria isso?"
"Porque eu não as queria mais ali", respondi, virando uma página do livro. Eu agia com uma tranquilidade que era pura fachada, por dentro, meu coração batia descontrolado.
"Isso é por causa da festa, não é?", Camila cruzou os braços, já assumindo um tom de acusação. "Você ainda está com raiva por causa daquela bobagem do terno. A gente já pediu desculpas."
"Vocês não pediram desculpas", corrigi, finalmente olhando para elas. Meu olhar era frio, distante. "Vocês me chamaram de mesquinho e defenderam o Gabriel."
"Ah, pelo amor de Deus, João! Supera!", disse Sofia, impaciente. "Foi só um mal-entendido. O Gabriel se sentiu super mal com a sua reação."
Eu ri, um som sem alegria. "Tenho certeza que sim."
Elas se entreolharam, claramente sem entender a profundidade da minha decisão. Para elas, era só mais um dos meus "dramas". Elas achavam que em alguns dias eu esqueceria e tudo voltaria ao normal. Elas não podiam estar mais enganadas.
"Olha, o Gabriel está organizando uma noite de jogos na casa dele hoje", disse Camila, mudando de assunto, como se isso fosse resolver tudo. "Ele te convidou. Vamos, vai ser legal."
"Não, obrigado", recusei prontamente.
"Ah, qual é, João! Não seja infantil", insistiu Sofia. "É uma chance de vocês se resolverem. O Gabriel gosta muito de você."
A simples menção do nome dele me causava náuseas. Eu podia ver claramente a manipulação, o jeito como ele as usava para me alcançar, para me manter no círculo delas, sob o controle delas.
"Eu não vou", repeti, firme. "Tenho mais o que fazer."
Elas bufaram, irritadas com a minha teimosia. "Tudo bem, você que sabe", disse Camila, pegando a bolsa. "Mas você está perdendo a chance de se divertir. O Gabriel comprou até aquele queijo fedorento que você gosta."
A ironia era quase cômica. O queijo que eu gostava, mas que Sofia e Camila odiavam e sempre reclamavam do cheiro. Agora, por causa de Gabriel, o queijo era bem-vindo.
Elas saíram, batendo a porta. Fiquei sozinho no silêncio da sala, olhando para a parede nua. Minutos depois, meu celular vibrou. Era um e-mail. Abri e li o título: "USP - Confirmação de Matrícula". Um sorriso genuíno, o primeiro em semanas, apareceu no meu rosto. Era real. Minha nova vida estava começando.
No final de semana, elas voltaram. Insistiram que eu fosse com elas a uma festa na casa de um colega. Disseram que "todo mundo" ia. Eu sabia que era uma desculpa, que Gabriel estaria lá e que elas tentariam forçar uma reconciliação. Recusei várias vezes, mas elas não desistiram, chegaram a ponto de falar com a minha mãe, que, sem saber de toda a história, me incentivou a ir para "não ficar tão isolado".
Cansado de lutar, eu cedi. Fui para a festa, mas me arrependi no instante em que cheguei. A música era alta demais, o lugar estava lotado, e a primeira pessoa que vi foi Gabriel, no centro de uma roda, contando uma piada e fazendo Sofia e Camila rirem como se ele fosse a pessoa mais engraçada do mundo.
Tentei ficar num canto, quieto, mas elas me arrastaram para perto do grupo. O cheiro forte de cigarro misturado com perfume doce me deixou enjoado. Eu era alérgico à fumaça, e elas sabiam disso. Mas Gabriel estava fumando, então, aparentemente, minha alergia não importava mais. Comecei a tossir, meus olhos lacrimejando.
"Você está bem, João?", perguntou Sofia, mas sem muita preocupação, seus olhos já voltando para Gabriel.
"É a fumaça", consegui dizer entre as tosses.
"Ah, é só um cigarro", disse Camila, dando de ombros. "Não seja fresco. Vem, vamos pegar uma bebida."
Ela me puxou pelo braço, mas eu me soltei. Olhei para elas, para o novo centro do universo delas, e senti uma náusea que não tinha nada a ver com o cigarro. Era o sentimento de ser completamente e totalmente descartado.