O Sr. Silva subiu ao pequeno palco, segurando uma taça de champanhe. Sua voz, embargada de emoção, ecoou pelo salão.
"Hoje é o dia mais feliz da minha vida. O dia em que minha verdadeira filha, meu sangue, minha querida Camila, se casa com um homem maravilhoso como Bruno. Camila, você trouxe luz de volta para esta casa. Você é a nossa alegria, nossa herdeira, nosso tudo."
A Sra. Silva, ao seu lado, enxugava uma lágrima.
"Você é a filha que sempre sonhamos, querida. Perfeita, bondosa, pura. Um anjo."
Os convidados aplaudiram com entusiasmo. Ninguém ousava mencionar o nome da "outra filha", a mancha que havia sido convenientemente apagada.
Mas eu estava lá. Meu espírito frio e invisível pairava perto do teto, observando a hipocrisia.
"Ainda bem que aquela Sofia se foi", ouvi uma socialite cochichar para outra. "Ela era tão problemática. Sempre com um ar arrogante. Imagina o escândalo que ela faria se estivesse aqui."
"Com certeza", a outra concordou. "Bruno e Camila são perfeitos juntos. É o destino."
A cerimônia estava prestes a começar quando um entregador uniformizado apareceu na entrada do salão. Ele carregava uma caixa de madeira escura, simples, mas elegante.
"Entrega para a noiva, Sra. Camila Silva", disse ele, formalmente.
Um silêncio curioso se instalou. Todos os olhares se voltaram para a caixa.
"O que é isso?", Bruno perguntou, com uma carranca.
Camila, com a curiosidade brilhando nos olhos, se aproximou. Na tampa da caixa, uma pequena etiqueta dizia: "Um presente de casamento. De: Sofia."
A atmosfera mudou instantaneamente. O ar ficou pesado, tenso.
"Sofia?", a Sra. Silva exclamou, com horror. "Como ela ousa? Jogue isso fora! Agora! Deve ser alguma maldição, alguma coisa para arruinar o seu dia, minha filha!"
O Sr. Silva fez um sinal para um segurança.
"Tire essa coisa daqui. Não quero nada que venha daquela ingrata perto da minha família."
Bruno colocou a mão no ombro de Camila, seu rosto uma máscara de preocupação falsa.
"Amor, sua mãe tem razão. Sofia era capaz de qualquer coisa. Não vamos deixar que a maldade dela estrague nosso momento."
Mas Camila não se moveu. Ela olhou para a caixa, depois para os rostos ansiosos e hostis de seus pais e de seu noivo. Havia algo em sua expressão que eu nunca tinha visto antes: uma determinação silenciosa.
"Não", ela disse, sua voz surpreendentemente firme. "Eu quero ver."
"Camila!", seu pai protestou.
"É um presente da minha irmã", ela respondeu, e o uso da palavra "irmã" fez com que todos se calassem. "Eu vou abrir."
Ignorando os protestos, Camila colocou a caixa sobre uma mesa e levantou a tampa.
Dentro, não havia nenhuma maldição ou objeto macabro. Havia apenas um diário de couro preto, desgastado pelo uso, e um pequeno pen drive.
Camila pegou o diário. A primeira página que ela abriu continha uma foto. Era uma foto dela mesma, no dia em que chegou à mansão dos Silva. Ela estava magra, com os cabelos mal cortados, usando roupas velhas e rasgadas. Seus olhos estavam arregalados de medo e desconfiança. Era a imagem de uma criança perdida e assustada.
Bruno olhou para a foto por cima do ombro dela e seu rosto se contorceu em uma careta de nojo.
"Que porra é essa?", ele sibilou, baixo o suficiente para que apenas Camila ouvisse. "Você parecia um rato de esgoto. Queime isso."
A reação dele foi instintiva, cruel e reveladora. Mas os convidados, vendo a foto de longe, tiraram suas próprias conclusões.
"Meu Deus, que crueldade!", uma mulher ofegou. "Até depois de morta, Sofia quer humilhar a irmã. Mostrando como ela era pobre e feia. Que alma podre!"
A acusação pairou no ar, e todos concordaram com a cabeça, prontos para condenar meu último gesto como um ato final de maldade. Mas Camila continuou segurando o diário, seus dedos traçando a capa de couro. Ela sentia, de alguma forma, que aquilo não era uma humilhação. Era o começo da verdade.